Entre Coralina e Sartre
Lá fora o frio é cortante. Chove sem parar. Uma chuva miúda traz uma umidade que faz baixar mais ainda a temperatura. Bem que os meteorologistas previram que cobertores e agasalhos sairiam dos guarda-roupas. O frio que viria pela frente seria algo incomum. Houve até alguns alertas sobre a possibilidade de nevar onde esse fato nunca ocorreu.
Nascido naquela região próxima a Ribeirão Preto, habituei-me ao calor, a dias ensolarados, carregados de energia. Antes de filho de meus pais, considero-me um “filho do sol”. Como muita gente neste Brasil multiclimático, não sou amigo do frio. Sou apenas conformado com ele.
Mas, os dias frios e chuvosos não causam somente incômodos físicos. Há, também, os que sentem os efeitos psicológicos das quedas bruscas de temperatura. Fica no ar, e mais ainda no interior das pessoas, aquela sensação de melancolia e pessimismo. As lembranças tristes aproveitam para povoar nossos pensamentos com aquelas imagens que gostaríamos estivessem sepultadas para sempre. Junte-se a tudo isso o momento de pandemia, assustando, impondo restrições e incertezas quanto ao futuro. Famílias perderam entes queridos. Empregos se volatizaram. Este é o cenário atual.
Por falar em cenário, palavra que lembra teatro, hoje pela manhã estive folheando um caderno, já bem surrado, onde anoto frases, pensamentos e trechos de poesias. Logo na primeira página, li, de Jean-Paul Sartre: “A vida é o pânico num teatro sem chamas”. Ela pode comportar mais de uma interpretação. Não sei quando o filósofo a escreveu, mas parece ter algo a ver com o momento que atravessamos. Frase pessimista, sem concessões à esperança. Mas, logo na mesma página, encontrei Cora Coralina sussurrando em meus ouvidos: “Às vezes o coração, rasgado pela dor, vira retalho. Recomenda-se, nestes casos, costurá-lo com uma linha chamada recomeço. É o suficiente”. Refleti sobre essas palavras e senti um alívio.
Fico com Coralina. Não quero desistir da esperança.
Por Gilberto Silos
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