A obra-prima

 

A obra-prima

Toca o telefone. Atendo. É o Epaminondas. Quem é Epaminondas? Um amigo de muitos anos. Advogado em São Paulo, com escritório na Barão de Itapetininga. Trabalha muito.
Além de excelente profissional, tem refinada sensibilidade cultural. Coleciona livros raros e CDs. Apaixonado por Debussy. Conhece Shakespeare, Proust e outros clássicos importantes.
O Epaminondas sofre de uma tremenda frustração em sua vida. Sua obsessão é ser um escritor ou artista. Vontade e tentativas nunca lhe faltaram. Mas talento…
Anos atrás resolveu dedicar seu tempo livre à escultura. Procurou a orientação de um artista e foi à luta. Martelou muita pedra, espalhou poeira pela casa e acabou por desistir.
Em seguida tentou o canto lírico, pois em sua imaginação poderia ser um bom tenor. Recebeu aulas de um professor com essa formação. Sua voz esganiçada, porém, irritava o mestre, que logo o fez desistir da ideia.
Como obsessão é obsessão, a próxima tentativa foi no campo da literatura. Inadvertidamente aventurou-se pelo caminho da poesia. Durante alguns meses enviou seus trabalhos para qualquer antologia que viesse ao seu conhecimento. Nada de sua lavra foi publicado. Percebeu que não era sua praia. Rimar jiboia com claraboia…
Mais recentemente, resolveu dedicar-se à pintura. Desta vez não procurou alguém para lhe ministrar aulas sobre essa técnica. Mergulhou de cabeça e tudo no autodidatismo.
Comprou o material necessário e montou seu ateliê na garagem. Ali, borrava tela após tela, mas naquele ponto em que muitos desistiam, ele mais se empolgava.
Com a ajuda de um amigo obteve uma autorização para expor e vender seus “quadros” na Feira Hippie da Praça da República. Passados quatro finais de semana sem vender nada, encerrou sua participação naquela feira de artes.
Premido pela tal obsessão continuou tentando. Bem, aqui voltamos ao telefonema do início. O que será que o Epaminondas queria comigo? Atendi e ouvi atentamente.
– Bom dia meu caro amigo. Estou muito animado com as minhas telas. Um antigo companheiro de faculdade telefonou-me. Sabe que me convidou a participar de uma Mostra de artistas plásticos dos países do Mercosul? Vai ser lá em Porto Alegre. É um evento internacional e começa agora na próxima segunda-feira. Ele conseguiu um espaço para que eu exponha pelo menos uma tela de minha autoria. Como estou com muito serviço lá no escritório, só poderei comparecer no encerramento do evento. Meu amigo disse que eu posso despachar o quadro por avião em nome da comissão organizadora, pois ela se encarregará de tudo.
E, entusiasmado com a ideia, continuou:
– O encerramento será no sábado, com o resultado da comissão julgadora e a premiação dos primeiros lugares de cada categoria. Porém, estou inseguro quanto à qualidade do meu trabalho e ainda estou relutando quanto à minha participação. O que você acha? Você é o amigo em quem mais confio. Participo ou não?
E eu, com a minha mania libriana de não desagradar as pessoas, incentivei-o a participar:
– Vá em frente meu amigo! Esta pode ser a grande oportunidade de mostrar seu talento. Você merece.
Sábado, por volta de meio-dia. Toca o telefone. É o Epaminondas falando de Porto Alegre. Irritado, indignado, revoltado e assemelhados.
– Que desastre! Desde a abertura do evento meu quadro está sendo exposto de cabeça para baixo! Algum imbecil fez isso! Acabei de conversar com o presidente da comissão organizadora. Supliquei-lhe mandar alguém colocar o quadro na posição correta. Ele afirmou que agora não há mais nada a fazer. Ontem a comissão julgadora percorreu todas as salas, fez as análises, já julgou e hoje à noite divulgará o resultado. Que Vexame!
Muito constrangido por tê-lo incentivado a entrar nessa aventura maluca, tentei consolá-lo dizendo que pelo menos valeu a experiência. Irritado ele me mandou para “aquele lugar” com meu otimismo idiota. E, desligou na minha cara.
Sábado. Dez horas da noite. Toca o telefone. É o Epaminondas.
– Estou atordoado. As ideias desencontradas. A cabeça nas nuvens. Meu quadro, de cabeça para baixo, ganhou o primeiro prêmio de originalidade. É o assunto mais comentado no evento. Dizem que criei um novo estilo. Fui convidado a fazer uma explanação na Academia de Belas Artes de Buenos Aires. Isso tudo é muito louco! Vou desligar. Chamam-me para entrevistas.

“IN BRAZIL, A BRILLIANT PLASTIC ARTIST CREATES A NEW STILE”, saiu no New York Times. Acredite quem quiser.

Por Gilberto Silos

Sobre Gilberto Silos 229 Artigos
Gilberto Silos, natural de São José do Rio Pardo - SP, é autodidata, poeta e escritor. Participou de algumas antologias e foi colunista de alguns jornais de São José dos Campos, cidade onde reside. Comentarista da Rádio TV Imprensa. Ativista ambiental e em defesa dos direitos da criança e do idoso. Apaixonado por música, literatura, cinema e esoterismo. Tem filhas e netos. Já plantou muitas árvores, mas está devendo o livro.

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