
Alguém que existe
O olhar daquele homem andrajoso estendido na calçada atravessou-me a alma. Parecia implorar-me algo e eu não entendia o quê. Interrompi minha marcha apressada e lhe dei uma constrangida atenção. Sua presença incomodava meu pretensioso orgulho pequeno burguês. Afinal, não pertencíamos ao mesmo mundo. Eu trajava roupas limpas. Apresentava-me bem barbeado. Dava-me ao luxo de no mínimo três refeições ao dia. Dispunha de um teto para me abrigar e leito decente para descansar meu corpo. Tinha uma identidade. Uma história de vida. E ele? Quem era? Já nem era dono de sua própria vida, perambulando pelas ruas, invisível a olhos alheios. Encabulado com aquela situação, perguntei-lhe se queria alguma coisa. De sua voz não ouvi resposta alguma. Mas seus olhos, irradiando um estranho brilho sobre os meus, responderam com uma eloquência muda: ´´Quero apenas que saibas, em tua anestesiada consciência, que eu existo. Nada mais quero“. Fui embora do local me sentindo pequeno, menor ainda do que sou.
Por Gilberto Silos
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