CINECLUBE DA FGV, 50 ANOS

Na velocidade do tempo contemporâneo, o tempo de reflexão parece incongruente para alguns, enquanto outros persistem no tempo da ponderação. No dia 08 de maio de 2025, teimosas pessoas de diversas faixas etárias, se encontraram para celebrar os 50 ANOS do Cineclube da FGV (Fundação Getúlio Vargas), na capital paulista, situado entre o túnel 9 de julho e a praça 14 Bis, sob os ares do Museu de Arte Moderna.

Eu disse, nos encontramos no cineclube: Cineclube, lugar do encontro, espaço para encontrar amigos, fazer novas amizades, namorar, lugar de ver, ouvir, sentir ou rever um filme, que não foi possível ver antes, espaço de criação, lugar onde o filme e seus personagens ganham perenidade nos corações e mentes de seus espectadores.

Na primeira metade da década de 1980, apodrecida, a Ditadura caí aos pedaços, mas “o guarda da esquina”, exercia seus “podres poderes”. Mas, graças a geração cineclubista de então, que trazia na sua trajetória, a rebeldia das ruas, exercida nas manifestações pelos direitos de greve dos operários, na campanha pela Anistia, Ampla, Geral e Irrestrita, contra o arrocho salarial, pelas Diretas-já e, saibam ou relembrem, disse o Luiz Alberto, o Beto membro do cineclube à época, alguma coisas mais ou menos assim: Para o cineclube programar a mostra do Akira Kurosawa, o distribuidor, em sua negativa, disse que os filmes não poderiam ser exibidos, porque o Certificado de Censura estava vencido. (O Certificado de Censura na ditadura militar era um documento que a Divisão de Censura de Diversão Públicas emitia para autorizar, ou proibir publicações, exibições ou circulação de filmes, livros, peças de teatro, músicas, programas de rádio, televisão, etc.). Depois de explicar para o senhor da distribuidora, que ele era do cineclube e que eles poderiam exibir filmes nestas condições, aquele sugeriu que ele, Beto, falasse com um florista, e lá foi o Beto atrás das flores, e de uma banca em banca, encontrou um senhorzinho. A conversa sobre flores, que o Beto pouco conhecia, ganhou rumo. Oras bolas, as flores, são flores e em determinado momento, a prosa muda de flores para filmes e tal. E assim, Beto, depois de passar por corredores e muquifos, finalmente chegou no local onde estavam as latas de armazenamento dos filmes.

OBS: se você perguntar ao Google, quanto pesa um filme de 35mm de 1 hora e 40 minutos, ele vai dizer, entre outras asneiras, que pesa de 10 a 12 quilos. Se você assistir a série da Marina Person sobre a Mostra de Cinema de São Paulo, ela vai dizer 25 quilos, que concordo, já quem fui projecionista e distribuidor de filmes, aliás, gostei bastante da série da Marina, recomendo.

 

O Cineclube da GV, nesta época exibia quatro dias seguidos da semana, num auditório com mais de 500 cadeiras, projetores de 35 e 16mm. Junto com o cineclube Bixiga, proporcionava aos amantes de cinema, as melhores opções para quem gostava e gosta do cinema. Já que falei da Mostra, o saudoso Leon Cakoff, também exibia filmes em 25mm no auditório do Masp, mas esta é outra vertente da história, voltemos ao Cineclube da FGV. O fato é que a contribuição destes espaços a cultura cinematográfica da cidade, foi muito significativa, ao ponto de um dos seus fundadores Luiz Gonzaga Assis de Luca, ter presidido uma das maiores exibidora do mundo, a Cinépolis. Outro nome de destaque, é André Sturm, então Secretário de Cultura da cidade, fundador da Pandora distribuidora e responsável pelo Cine Belas Artes, cinema com características e atividades, marcadamente cineclubista.

Entre outras personalidades, palestrando, lá estava o professor Eduardo Diniz, relembrando com muito humor e vivacidade, as travessuras juvenis dos cineclubistas da época. Professor Diniz, como é carinhosamente tratado, atuou e frequentou diversos cineclubes na capital e interior. Também abrilhantando a noite, o professor Luiz Felipe de Alencastro, importantíssimo historiador e um dos organizadores do Cineclube, que conduziu a plateia pelo início do século, quando em Paris vivenciou toda aquela efervescência do surgimento da Nouvelle Vague e como o cinema novo foi recebido naquelas paragens. Histórias das memórias que se somaram a plateia, que foram enriquecidas após a sessão do filme selecionado para tão luminosa data, a equipe do cineclube programou o filme Sherlock, Jr, 1924, dirigido e interpretado por Buster Keaton. Lançado no Brasil em uma coleção da DVD Vídeo, o filme ganhou o título: Bancando o Águia.

Difícil reproduzir um debate, de memória, de uma sessão cineclubista, cuja maioria é predominantemente jovem e ouvir alguém dizer que Buster Keaton meio que fez uma cena parecida com a que fez Francis Ford Copolla no Poderoso Chefão, ou que ele, o Keaton, vez igual uma cena da série tal. Mas sempre tem um porém, como sempre dizia Plínio Marcos. Coube a uma professora presente na sala (que agora não me recordo o nome), a realçar a sutil beleza do humor de Buster Keaton, para ela, maior que Chaplin, num filme refinado em sua linguagem, sensível no trato do tema, estética e sutil beleza de mestre. A existência hoje do Cineclube da GV é uma trincheira que aglutina os jovens a romper com o marasmo das universidades. É o lugar da troca, de ouvir o diferente, o lugar de convivência civilizada das diferenças.

Nesta sua trajetória, o cineclube da GV, hoje tocado por estudantes, já conviveu e atravessou por grandes embates da história do país, agora funcionando numa sala de aula do 8º andar, a equipe segue, mesmo por intuição provocada pelo fazer cineclube, a tríade desenvolvida por André Bazin, durante a resistência ao nazismo e no pós guerra, onde ele dizia, que um cineclube tem que programar e apresentar o filme a ser exibido, projetar e debatê-lo após a sessão. Evidente que um cineclube que completa meio século de existência, faz parte e é acolhido por esta comunidade, são partes inseparáveis de um organismo vivo da sociedade.

 

 

Diogo Gomes dos Santos,

Mestre em Artes, Diretor, Curador,

Produtor e empreendedor Cultural.

 

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Sobre Diogo Gomes dos Santos 13 Artigos
Diogo Gomes dos Santos Diogo Gomes dos Santos, Cineasta, Cineclubista, Mestre em Estética e História da Arte, possui pós-graduação em Estudos Literário, graduado e licenciado em Historia, roteirista, diretor, produtor com vários prêmios nacionais e internacionais. Diretor do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros/Delegado junto a Federação Internacional de Cineclubes.

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