Cipriano Boêmia – Um Punk da periferia

 

Cipriano Boêmia – Um Punk da periferia

Dia desses, navegando por esse mundo sem fim da WEB, encontrei um tesouro escondido, a entrevista de um Punk dos anos 80, uma criatura extremamente consciente do seu papel no contexto da época, em São Paulo.
Fiquei admirada e lembrei do primeiro Punk a andar pelas ruas de Sanja, Irael Luziano com suas correntes e alfinetes à Sid Vicious. E como éramos amigos inseparáveis, andávamos juntos pelas ruas da cidade, eu bem vestida comportada e ele com suas roupas extravagantes. Ele me falava dos Punks de São Paulo e frequentava alguns desses lugares dos encontros na periferia, com suas danças violentas. De vez em quando eu o acompanhava até São Paulo, não para os encontros dos Punks, mas outros eventos, um deles até a Fábrica do Som no SESC Pompéia onde o programa era gravado para a TV Cultura e onde se apresentavam os nossos ídolos na época: Arrigo Barnabé, Itamar Assunção, Jorge Mautner, Ira, etc.

A gente ouvia falar e ainda ouve os resquícios das histórias dos carecas do ABC, extremamente perigosos e violentos; no entanto, devemos levar em consideração que a mídia oficial na época, como faz agora, tem essa tenebrosa missão de dis-torcer os fatos para o seu melhor interesse. Na época, haviam variados grupos de punks que mostravam sua rebeldia contra o sistema através da música, das roupas, da arte e do comportamento. E os punks do ABC tinham características um pouco diferentes daqueles da periferia de São Paulo, devido ao contexto em que viviam. Todo esse conjunto mostra a história e a intensidade do Movimento Punk no Brasil, que criou um estilo próprio (na música, letras em português e bem elaboradas) sem copiar os de fora e por isso rendeu belos frutos. Essa fugaz trajetória manchada pela mídia na época que mostrava a parte negativa do Movimento, não impediu a influência do mesmo nos comportamentos e na música, especialmente no Rock. Os desdobramentos do Punk abriram muitas portas – E isso em plena ditadura militar, o tempo de protestar e de enfrentar uma polícia violenta, uma geração que tinha como único ideal o de ficar contra o sistema, de forma anárquica; uma geração que se quisesse alguma coisa, tinha que fazer de verdade, pois os recursos eram escassos. Desse movimento, muita gente boa apareceu e ainda vive para contar história. O que ficou em minha memória foram os fanzines, com uma escrita apurada, com temas pouco “agradáveis” para muitos e também os desenhos, os quadrinhos e principalmente a revolta autêntica, original e peculiar. E sem esquecer do Bob Cusp do Angeli.

Ao assistir a entrevista do Cipriano Boêmia, fiquei muito curiosa em conhecer mais sobre o garoto entrevistado – então fui buscar saber quem foi e o que fez…Ao mesmo tempo fiquei consternada, porque ao pesquisar sobre Cipriano, soube que ele partiu desse mundo em 2012. Encontrei poucas coisas, mas a entrevista é icônica, por isso compartilho com vocês, colocando abaixo o link da mesma.

Numa sociedade capitalista onde se exclui pobres, a miséria e a falta de oportunidades reinam, os jovens sofrem mais e sempre surgirá movimentos para combater isso, o Movimento Punk foi um deles. A entrevista parece tão atual, mas aconteceu nos anos 80 e ficou para nos ensinar muita coisa – Uma delas é que o cenário muda, mas a história continua a mesma.

Viva Cipriano Boêmia e sua vida na terra!

Viva o Movimento Punk que mudou o cenário musical e cultural no Brasil!

Elizabeth de Souza
171023

 

Postagem da entrevista: https://www.facebook.com/hdahistoria/videos/340688136544495

Trecho retirado do perfil “História da história” no facebook, sobre o Cipriano

Cripriano (pobreza), Abc paulista, 1988

Entrevista com um Punk, no ABC Paulista, em 1988. Passados 30 anos, ainda se discute militarismo, pobreza e manicômios. Detalhe, a repórter só tocou nos temas para menosprezar o entrevistado.
edit: Alguns conhecidos do Cipriano (pobreza) enviaram depoimentos sobre ele, que era um cara responsável, consciente e amigo. Trabalhava como tattuador, em Franca, e foi fundador da Associação Paulo Duarte, que zela pelo patrimônio histórico e cultural, da mesma cidade. Infelizmente faleceu em 2012, vítima de um atropelamento.

Não é o foco, mas lembrei do documentário “Botinada” sobre o movimento punk no Brasil, fala bastante sobre esses jovens paulistas como Cipriano que manifestava seu posicionamento político pela música, vestimenta e trejeitos agressivos.

Nessa foto de 1990, ele é o primeiro da direita para a esquerda. (História da história)

 

Coloco aqui, um texto do Cipriano que foi publicado na Revista General, revista esta que publicava alguns textos e pensamentos de Cipriano

Matérias Antológicas
“Como Se Portar na Cadeia”
por Cipriano Boemia
Foto: Marcelo Costa

 

“Como Se Portar na Cadeia”

O mocinho rebelde acaba atrás das grades, mas não dá mole. Continua aquele durão, que apanha, apanha e no final consegue o respeito de todos os fodões barra-pesada da prisão. E você lá no cinema, emocionado com tamanha demonstração de rebeldia e virilidade.

Por mais invejoso que você esteja do herói, não o aconselho a procurar motivos para ser vítima de “tal aventura”. Mas caso as circunstâncias te levem à esta situação, eis aqui nossa colaboração para que você não chegue lá completamente despreparado.

1° – Interrogatório

Independente do crime que você tenha praticado – fumado um baseado ou cometido latrocínio – você será interrogado. Nunca use frases como: “Sô trabalhado, meu sinhô”. Porque antes mesmo de completar a frase, já terá perdido alguns dentes.

O mais importante em um interrogatório é não contar a verdade. Se você mentir, o máximo que poderá te acontecer é apanhar da polícia por mais algum tempo. Ao passo que se você disser a verdade, vai apanhar da mesma forma da polícia, ser condenado com certeza e o pior, vai ser desconsiderado pelos outros presos e apanhar mais ainda.

2° – Na Carceragem

Após ser devidamente interrogado, você é encaminhado à carceragem, ou seja, o pátio interno onde ficam as celas. Ali você é despido (com todo o respeito) e suas vestes e possíveis esconderijos de drogas ou armas em seu corpo são examinados minuciosamente. Não encontrando nada de anormal, os carcereiros tratam de “guardar” seus objetos pessoais.

Não é aconselhável você negar seu maço de cigarros, ou aquela caneta paraguaia que você ganhou de sua tia. Os carcereiros podem lhe ser muito úteis em sua estadia. Eles são seus anfitriões. É a lei do mais forte e não adianta chorar. Essa lei é reconhecida até pela Corregedoria da Polícia.

3° – Na Cela

Meu chapa, agora é que você vai descobrir os seus verdadeiros valores. Ao chegar à porta da cela (também chamada de xadrez ou simplesmente de “x”), você vai encarar no mínimo vinte pares de olhos a te fitarem, com seus donos apertados em um espaço construído para cinco pessoas. Você vai ser mais um para compartilhar o espaço não existente ali.

Antes de entrar, faça de conta que o X é um templo japonês e tire o sapato. Faz parte da higiene do recinto: o chão da cela vai se tornar de agora em diante sua cama e sua mesa. Ao se pronunciar, nunca se dirija a um preso em especial mas sim a todos, pois são todos eles que estão te dando as boas vindas e isso seria visto como ofensa por eles.

Nunca os chame de “moçada” e sim de “rapaziada”, pois tratam-se de rapazes e não de moças. Se algum deles te convidar para se sentar a seu lado ou dividir seu canto, não aceite. Diga que está bem de pé, e logo em seguida oferecerão um “canto” para você. Ali você poderá dormir, e não no canto do primeiro que te ofereceu, a menos que você seja fogoso e goste de ser bolinado.

Em seguida te oferecerão toalha e sabonete para você tomar banho. Aceite. Neste ambiente, a limpeza é fundamental para todos. “Malandro, porém limpinho”. Antes de entrar no boi (banheiro), pergunte se ninguém se “alimenta”. Seria falta de educação fazer uso do boi, que é separado do resto do recinto apenas por uma cortina de papel, enquanto alguém estiver se alimentando.

Na cadeia fala “alimentar-se” e não “comer”. Se você fala que vai comer logo aparece alguém invocado para perguntar: “comer quem?”. E os presos não suportam pederastia, principalmente depois de ter sido liberada a visita íntima. Ao alimentar-se nunca arrote ou diga palavras indesejáveis a menos que queira levar um bandeco (marmitex) na fuça.

Na hora de dormir, caia sempre na posição “valete” – deitado do lado oposto aos dois outros que estarão ao seu lado. Nunca deite de “anjinho”, face a face com um dos outros. Você deverá se deitar de costas e não se mexer caso contrário os outros irão ocupando as folgas. E ai já era, você vai ter que passar o resto da noite nessa posição. Não dá para voltar.

De resto, meu amigo, o segredo é um só. Ouvir muito e falar pouco, e em pouco tempo você estará a par do rico dicionário da cadeia e saberá decifrar palavras como: piolhagem (malícia de malandro), prego (otário), frau (fajuto), marroquinho (pãozinho), manta (pessoa não confiável), espianto (furto na cela), traíra (traidor), coxinha (PM, pelo hábito de comer coxinhas em padarias e não pagar), mona (travesti, homossexual) e muitas outras deste lindo vocabulário.

E também vai aprender a se conter quando um carcereiro disser que está muito abafado e gostaria de ter algum companheiro para tomar uma breja bem gelada com ele no bar da frente. Ou que ele marcou um encontro e vai comer aquela gostosa que estava na fila da visita e você supõe tratar-se de sua namorada.

Agora, se você conseguiu ler este texto sem muita dificuldade, já entra na cadeia com uma vantagem: saber ler e escrever pode te render alguns “sangues de boi” (cigarros Hollywood, moeda corrente no xadrez). Geralmente, no “barraco” saber ler e escrever é coisa raríssima. Se souber desenhar, melhor ainda. Apesar da cara feia, todo malandro gosta de enviar cartas enfeitadas com florzinhas para sua amada.

Cipriano Boemia
Foi preso por um crime que não cometeu
Texto publicado na revista General número 1, Dezembro de 1993

Nota do editor: A General rendeu 16 números em dois anos. A primeira saiu em dezembro de 1993. Três meses antes, André Forastieri se despedia do posto de editor da revista Bizz com um editorial sonhador: ao falar do Sepultura (completíssimo, anos antes do racha), capa da edição 98 da Bizz, Forasta resumia a carreira da banda em elogios, finalizando com: “eles conseguiram vencer sem abdicar da independência, ainda que o grupo hoje (1992) esteja ligado a uma grande gravadora”. E dava a deixa: “Sigo o exemplo de independência deles, mas fazendo o caminho inverso: deixo uma grande empresa e uma grande revista para começar um novo projeto. Troco o melhor emprego que já tive na vida pela maior aventura que um jornalista pode experimentar no Brasil – montar seu próprio negócio”.

Em dezembro, a General chegava às bancas com o mote “Música, Cinema, Moda e Nenhuma Explicação” e textos fodaços como este acima de Cipriano Boemia, “A Seca”, que versava sobre a falta de erva durante 25 dias em Floripa, Hunter S. Thompson por Álvaro Pereira Júnior, Pedro Só colocando os Engenheiros do Hawaii no alto do podium ao resenhar o disco “Filmes de Guerra, Canções de Amor” (“É pena que muita gente só vai perceber o valor desta galharda gaúcha quando a Marisa Monte resolver gravar algumas destas pérolas”, diz Pedro Só, ao enfileirar elogios para canções como “Ando Só”, “Alivio Imediato” e “Quanto Vale a Vida?”). Para o final, mais dois textos clássicos: Carlos Eduardo Miranda, na sua coluna Brodagem, conta como inventou o rock gaúcho. E a última página flagra o futuro: uma página da revista General em 2020, com Madonna declarando: “Nunca fui santa!”, após recusar o prêmio Nobel da Paz…

A General durou 16 edições sendo que a última chegou as bancas em dezembro de 1995, exatos dois anos após surgir. Cipriano Boemia assinou vários outros textos para a revista, destacando um manual de cabritar motos: “Como roubar motos”, na General 2. Entre os textos antológicos ainda é possível destacar “Cyberdingo”, em que o Miranda faz uma junção de Cyberpunk com Mendigo para criar o termo que designa o cara que “sabe se dar bem”, mas não só isso. É um manual. Este texto já foi republicado na versão “on paper” do Scream & Yell, e qualquer dia aparece por aqui. E muitos outros. O fato é que a General deixou saudade, muita. Numa definição tosca, mas totalmente verdadeira, a General foi a TV Pirata do jornalismo brasileiro. Dia desses estávamos eu e dois amigos relembrando textos da revista. Num desses papos, lembramos deste “Como se portar na cadeia”, um texto antológico, que ressurge aqui e deixa a dica: vasculhe sebos, a General vale a pena. A propósito, a dupla responsável pela General, André Forastieri e Rogério de Campos, hoje em dia comanda a Conrad Editora. Marcelo Costa – 12/07/2005

(https://pt.wikipedia.org/wiki/General_(revista))

https://marcostottene.wordpress.com/2018/09/05/revista-general-o-tempo-em-que-a-criatividade-nao-tinha-limites/

Cipriano Boêmia (Cipriano Boêmia)

Em frente ao seu estúdio de Tatuagem em Franca

“Faço os quatro cantos do meu mundo serem cores!

O Cipra é ROCK, mas o POP não poupa ninguém (O andy Warrol, passa, Mas Os Engenheiro do Rá Uai, nem por decreto)!” (Cipriano Boêmia)

Encontrei o canal de Cipriano no youtube, mas não havia nenhum vídeo dele:

https://www.youtube.com/user/CipraSkin

Aqui, um artigo da Folha, cita Cipriano:

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/3/05/cotidiano/2.html

 

Para saber mais:

Resenha sobre o documentário “Botinada”

https://rockideologia.blogspot.com/2013/12/resenha-botinada-origem-do-punk-no.html

 

E aqui o Documentário “Botinada” completo:

 

Punk em São Paulo (Gazeta 1988)

 

 

Sobre Elizabeth Souza 408 Artigos
Elizabeth de Souza é coordenadora e editora do Portal Entrementes....

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