Nostalgia

NOSTALGIA

É comum o sentimento de nostalgia assediar quem já ultrapassou a barreira dos 60 ou 70 anos. O momento atual, com sua dura realidade, pode ser um convite para um mergulho no passado, em busca de imagens consoladoras. Aconteceu comigo recentemente. Minha viagem pelo túnel do tempo levou-me até à pequena cidade paulista de Casa Branca, no final dos anos cinquenta, onde vivi minha infância e adolescência.
A primeira imagem surgida nessa espécie de sonho foi a da praça principal com a belíssima Igreja Matriz, construída numa mescla dos estilos barroco, clássico e renascentista. Era o cartão postal da cidade, que se completava com a praça e seu jardim, ornamentado com figuras esculpidas em cedrinho, além do coreto.
A praça, à noite, era o ponto de encontro dos jovens. Ali se realizava o “footing”, de tantas histórias de amor. Olhares furtivos revelavam alguma esperança, ou a lágrima de um afeto não correspondido. Tudo fluía ao embalo das músicas tocadas no Serviço de Alto Falante A Voz de Casa Branca, do senhor Adolpho Legnaro. Legnaro não só atendia aos pedidos de músicas, como em alguns casos fazia versinhos para os rapazes oferecerem às garotas.
Mas, antes do “footing”, o programa obrigatório era dar uma passada no Clube Casa Branca. Ali se saboreava um cafezinho, lia-se as notícias do dia e haja bate papo animado. Nas páginas, daqueles jornais, tomávamos conhecimento das proezas do menino Pelé, ainda sem coroa. Nos textos, ainda linotipados, líamos sobre a alegria otimista de JK, contrastando com o azedume reacionário de Carlos Lacerda. O moralismo ambíguo de Jânio Quadros fazia contraponto à fanfarronice debochada de Adhemar de Barros.
Começam a chegar os mais velhos, frequentadores assíduos do clube. Boa noite Laércio Romano! O Percival aconselha um jovem a cuidar dos dentes. Em 1960 vai dar Jânio na cabeça, diz com convicção o Carlinhos Cavanhaque. Para o Leonel a solução é o socialismo. Na sala ao lado o carteado rola discreto. No andar superior alguém coloca um LP na vitrola. Nat King Cole canta “Aquellos Ojos Verdes”, em espanhol.
De repente as imagens se apagam e caio na realidade presente. Ponho os pés novamente neste mundo confuso onde o assunto corrente são as tarifas comerciais de Donald Trump. Não deve ser boa coisa.

Por Gilberto Silos

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Sobre Gilberto Silos 239 Artigos
Gilberto Silos, natural de São José do Rio Pardo - SP, é autodidata, poeta e escritor. Participou de algumas antologias e foi colunista de alguns jornais de São José dos Campos, cidade onde reside. Comentarista da Rádio TV Imprensa. Ativista ambiental e em defesa dos direitos da criança e do idoso. Apaixonado por música, literatura, cinema e esoterismo. Tem filhas e netos. Já plantou muitas árvores, mas está devendo o livro.

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