O Confronto histórico entre Palestina e Israel – Joe Sacco

O Confronto histórico entre Palestina e Israel – Joe Sacco TBT

Por Rodolfo Salvador – 2012

O Confronto histórico entre Palestina e Israel, na perspectiva da historiografia em quadrinhos de Joe Sacco.

Ao se afirmar que o quadrinho é uma manifestação legítima do século XX, e que portanto carrega em seu “ser” o tempo histórico em que foi criado, estamos afirmando que o mesmo, enquanto arte, tem a missão de levar a seus leitores (e não consumidores)   algum conteúdo relevante.

Em minha concepção, enxergo os quadrinhos de varejo (Marvel, DC, Image, etc.)  como uma forma de entretenimento, que por vezes nos surpreende com roteiros ou artes fantásticas, e que por vezes me deixa puto, como quando a lógica de mercado faz com que na esteira dos vampiros do “Crepúsculo” surja um arco de histórias dos “X-mens” contra o Drácula. A transformação do leitor em consumidor poderia ser o tema deste texto, mas, prefiro hoje, tratar sobre os quadrinhos que como conteúdo trazem circunstâncias históricas específicas e que da mesma forma como representa, lida com o tema de forma magistral.

Vou me concentrar na grande (em todos os sentidos) obra de Joe Sacco “Notas sobre Gaza”, neste trabalho, que desta vez se distanciou do trabalho do jornalista e se aproximou do trabalho do historiador, Sacco reconstrói a partir de documentos (cartas trocadas entre militares, membros da ONU, diplomatas, etc.) e de entrevistas (método da história oral) os massacres ocorridos na região conflituosa da Faixa de Gaza. O objetivo do autor é reconstruir os massacres ocorridos em novembro de 1956 nas cidades de Khan Younis e Rafah.

Centenas de civis foram mortos nestas duas cidades numa operação militar de rotina do exercito israelense, os relatórios da O.N.U, utilizados na construção do quadrinho, afirmam ter ocorrido um descontrole por parte dos militares israelenses, já o primeiro ministro israelense da época, David Ben-Gurion, afirma ter ocorrido um confronto entre militares e “terroristas”, o que resultou em na morte de 386, 275 em Khan Younis e 111 em Rafah e nenhum militar israelense.

O grande trunfo dessa obra é levar até nós hoje, cerca de 50 anos depois, o que nenhum historiador tratou de forma decente. O resultado, é uma obra que permite compreendermos os eventos que levaram a constante escalada de violência entre palestinos e israelenses, que dura até hoje. Sacco chegou a afirmar em entrevista, que seu objetivo era mostrar para o mundo ocidental, o lado da guerra que não era visto, mostrado ou recordado, segundo o mesmo, em uma entrevista para o jornal Estadão de 2010.

Mas moro nos EUA, onde a história do lado israelense é muito bem contada, todos conhecem. Aqui, é do lado palestino que nunca se fala. Quero falar das pessoas que saíram como perdedoras na história. Nos EUA, em especial, a palavra palestino é associada ao terrorismo. Quero mostrar o contexto do que acontece. Poderia escrever sobre o lado de Israel, mas sobre isso é possível ler o tempo todo nos jornais.

Preenchendo uma lacuna historiográfica, Joe Sacco transforma um evento traumático para os palestinos num jornalismo em quadrinhos, carregado de tensão, drama e sobretudo desumanidade, “Notas sobre Gaza” reafirma o que o filósofo alemão Walter Benjamim já havia afirmado em suas teses sobre a história, que os mortos do passado iam voltar para assombrar o presente. Esta metáfora, afirma que o trabalho do historiador é dar voz as vítimas que o passado e a historiografia (neste caso também a mídia) varreram para debaixo do tapete da história. Sacco rouba para si o cajado do historiador e nos guia por uma viagem triste, mas necessária, pois assim como o psiquiatra ajuda o indivíduo a superar seu trauma, o historiador (ou aquele que realiza um trabalho histórico) deve agir como um psiquiatra, que através da reconstrução dos fatos, auxilia a sociedade a superar seus traumas.

26032012

Comentários:

Caro Salvador, há quem diga que há um holocausto palestino, pois é.
Tal fenômeno, dizimação, é programática.
A história é uma arma ideológica.
Negar uma “verdade” aceita como verdade não é muito inteligente frente a mídia corporativa.
Afirmar uma verdade na contramão dos interesses de domínio mundial nos faz colher uma situação desconfortável se somos demasiados sensíveis.
HQs, como uma arma ou instrumento de iluminação é muito importante.
É uma outra linguagem, uma outra porta.
Salvador, aqui no Brasil temos situações que somente outras linguagens podem esclarecer. Livros como os conhecemos não fazem a cabeça de certa faixa social ou de ideologia mais rasa.
Filhos da telinha só acreditam no que aparece na Globo.
Quem não tem a televisão Globo em casa não é cidadão do mundo, para muita gente. (Paulo Pinheiro)

 Em resposta a PAULOPINHEIRO

Caro Paulo Pinheiro, concordo em alguns aspectos com seu comentário, porém não acredito que os livros não “façam a cabeça” das pessoas mais carentes da sociedade, uma vez que está falta de interesse não provem dos mesmos, mas sim da ineficiência do nosso sistema de educação e também, neste caso falo com o conhecimento de causa, pois eu luto todos os dias aqui na universidade por uma perspectiva que atenda a população e não nossos pares, como é o caso da disciplina história, onde todas as publicações são direcionadas ao público acadêmico.

De qualquer forma obrigado pelo comentário.

Rodolfo Salvador

1 Comentário

  1. É um texto antigo do Rodolfo que republico aqui, porque seu ponto de vista é sempre muito bom…Grande Rodolfo!
    Beth

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