Torquato Neto – O Poeta do Manifesto

Torquato Neto – O Poeta do Manifesto 

“Quando eu recito ou quando escrevo, uma palavra – um mundo poluído – explode comigo e logo os estilhaços desse corpo arrebentado, retalhado em lasca de corte e fogo e morte (como napalm), espalham imprevisíveis significados ao redor de mim: informação. Informação: há palavras que estão no dicionário e outras eu posso inverter, inventar. Todas elas juntas e à minha disposição, aparentementes limpas, estão imundas e transformaram-se, tanto tempo, num amontoado de ciladas”.” (Torquato Neto)

 

Torquato Neto é uma figura Cult, tenho profunda admiração por sua presença marcante no contexto cultural  do Brasil e a sua forte contribuição para o surgimento da Tropicália.

Não conheço muita coisa de Torquato Neto, mas sei que escrevia compulsivamente, apesar de não deixar nenhuma obra publicada, a não ser os artigos que escrevia no jornal do Rio de Janeiro e as letras das músicas. Então, o pouco que conheço sobre ele é através das letras das músicas que foram cantadas por Caetano, Gil, Gal, Macalé, Edu Lobo e tantos outros músicos de grande importância no cenário da música brasileira. Ele como letrista, deu a substância teórica e intelectual para um movimento que veio mudar os pensamentos daquela época. As ideias de Torquato, sempre brilhantes e incisivas, foram fundamentais para isso. No entanto, como não era músico e não cantava, não teve o merecido destaque na época e mesmo agora, muitos desconhecem suas letras e poesia.

“Como Buda, Confúcio, Sócrates ou Jesus, Torquato não deixou livros.” Paulo Leminski

Edição única da Revista de Poesia Navilouca, editada em 1974 – Foi organizada pelos poetas Torquato Neto e Wally Salomão em 1971.

Como era afeito a vários tipos de linguagem, hoje seria chamado de artista multimídia porque fazia experimentos com as mais variadas linguagens, criando toda essa aura da cultura marginal. Ele gostava de cinema e no início elogiava o cinema novo e Glauber Rocha, depois quando o Cinema Novo tornou-se mainstream, amaldiçoou, dando um valor astronômico para o underground, que hoje chamamos de cinema Trash. Torquato não deixou nenhuma obra cinematográfica, mesmo em super 8 como defendia, mas deixou algumas filmagens que foram montadas posteriormente, por outras pessoas.
De todas as linguagens nas quais ele foi ativo, a de jornalista foi brilhante. Como jornalista, sua obra está registrada para todo o sempre, de grande valor literário, podendo ser lida e analisada. Não li todos os textos jornalísticos dele, só alguns e são bem interessantes,  gostei demais. Li alguns poucos poemas dele, além das letras das músicas e ainda não assisti o filme “Todas as horas do fim”.

A coluna dele no jornal do Rio, a “Geléia Geral”, tinha o mesmo nome da música que Gil cantou,  letra de Torquato  e manifesto da Tropicália. Escrevia diariamente sobre música, cultura, enfim, sobre tudo. A maneira como escrevia no jornal é o sonho de qualquer escritor. Além de ter um instinto refinado sobre a música do momento, ele conseguia fazer um link da arte e cultura com tudo que estava rolando no mundo e aqui no Brasil, usando uma linguagem acessível, muito clara e gostosa. Tirando os ataques diretos que ele fazia à algumas pessoas reais, tinha ironia e sarcasmo suficientes para deixar tudo muito leve em suas críticas mais pesadas. Como jornalista ele usava a poesia em suas dissertações. Demais o jeito que ele escrevia sua prosa poética e poesia prosa e quando misturava ao som das músicas, ficava perfeito. Um jornalista atuante, participava ativa e ideologicamente da cultura de sua época, cobrando, dando opinião sobre tudo e sempre ligado em tudo que acontecia no mundo. E falava mal do cinema novo de Glauber na sua coluna apoiando o cinema marginal.

Enfim, considero Torquato Neto um gênio,  pois foi o verdadeiro teórico por trás da Tropicália. Depois veio a surtar com o tropicalismo – Os ISMOS o fazia surtar. Ao contrário de artistas como Caetano e Gil, que sabiam articular politicamente o lado marginal com o lado maistream, necessários para concretizar uma ideia, Torquato preferiu morrer a fazer essa articulação, que o beneficiaria.

“Cada louco é um exército” (Torquato Neto)

Teresina, cidade pequena ainda quando nasceu em 1944, Torquato tinha uma família que lhe deu condições para estudar em Salvador, na adolescência, onde conheceu os novos baianos. Anos mais tarde os encontra no Rio e começam essa ligação que acaba por surgir a Tropicália. Foi um momento de euforia e beleza onde todas as contradições poderiam se juntar, uma mistura exótica. E ele, praticamente encabeçou esse movimento, que veio a revolucionar as artes no Brasil. Ele possuía a visão geral dos acontecimentos do seu tempo, um guerrilheiro da palavra e a cabeça por trás de tudo. Sem ele, não haveria manifesto tão impactante. O manifesto foi criado por Torquato, o verdadeiro ideólogo desse novo pensamento de vanguarda.

Com a ditadura militar e o AI5, muitos artistas e intelectuais foram perseguidos e muitos dos integrantes da tropicália,  foram exilados por algum tempo. Torquato saiu do país antes do AI5, foi para a Europa com Hélio Oiticica. Em Londres, conheceu as novas paradas de música, conheceu Hendrix e Joplin e voltou diferente de lá. Antes, era bem conservador, seguia certos costumes da sua terra. Voltou de Londres com outro olhar, tipo ficar cabeludo e experimentar outras drogas além do álcool, em voga na época. Isso também mudou em muito suas atitudes e sua escrita. Depois, sentiu-se abandonado, brigava com todo mundo, rompia relações do nada e xingava muita gente em sua coluna. Torquato sentiu a censura da ditadura forte demais e também a patrulha ideológica da esquerda que se manifestava contrária a indústria cultural que se iniciava na época.

Tropicália aceitava as misturas e até mesmo a atuação da Indústria Cultural que usava a arte e a cultura, como um bem que pudesse dar lucro. Caetano, Gil e outros se adequaram a esse esquema, naturalmente. Hoje sabemos que essa mesma indústria cultural nos engole um pouco por dia e quem dera, pudéssemos fazer cultura sem o objetivo final do lucro. A grande mídia e a indústria cultural só visa o lucro e a arte é considerada apenas como um bem de consumo.

Para mim, Torquato Neto foi um grande revolucionário da palavra, apesar de não conhecer toda sua obra, só alguns de seus poemas, os artigos e pelas letras das músicas, que tornaram-se referência nacional – pertencentes a um movimento curto, porém grandioso do comportamento cultural, que foi o Tropicalismo. Torquato era grande na sua escrita e foi o responsável por desencadear tudo isso. A ele, pertenciam as ideias por trás de tudo, com uma inteligência impar e estranha.

Na minha opinião, penso sempre que Torquato preferiu morrer a se adequar…ele foi bem calculista em sua morte, como todo bem nascido em escorpião. Calculou a data, o local e como, bem detalhados.

Ele sabia: com sua morte, se tornaria um cult?!
Fica a pergunta: Ele tinha medo de não ser um cult, se ficasse vivo?

Elizabeth de Souza

 

 

 

 

 

 

* Conheci algumas coisas de Torquato Neto através de um amigo e poeta doido, o Edu Planchêz (também de escorpião). Ele gosta demais do Torquato e falava nele o tempo todo. Edu Planchêz é a encarnação da poesia e o considero um verdadeiro Poeta, com suas lambanças e insanidades. Hoje ele mora no Rio, mas morou aqui e era nosso amigo em São José dos Campos. Amigo do Tico Santa Cruz, fez uma bela declamação numa música dos Detonautas. Edu declama seu poema (Os Filhos da Morte Burra). Veja no vídeo abaixo, vale a pena, Edu é um grande poeta e é um dos que escrevem compulsivamente.

 

https://youtu.be/JPhr4jXIYPY

E aqui uma música de Edu Planchêz:

https://youtu.be/fjOIsUTKoYQ

 

Sobre Elizabeth Souza 419 Artigos
Elizabeth de Souza é coordenadora e editora do Portal Entrementes....

1 Comentário

  1. A escrita cantada
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    A diferença entre Caetano Veloso e eu é a fama, nada fico a dever a nenhum poeta do planeta, nenhum mesmo. Não invejo o espaço que as pessoas conquistaram a duras penas no coração do mundo. Mas afirmo que minha produção literária e minhas canções viscerais não devem nada a ninguém. Confio profundamente em meus filhos poemas e canções, não guardo sombra de dúvidas que querendo ou não já fazem parte da história pulsante da arte viva da civilização humana, e é uma questão de tempo para que se tornarem conhecidas, aplaudidas, copiadas, imitadas por todos os povos.
    Falem o que quiserem falar.
    Quando comecei a cometer a poesia, falei pra mim mesmo ” serei um dos maiores do mundo”, mas jamais concebi caminhar poéticamente sem o lastro da música. Caetano Veloso sempre foi para mim um poeta luminoso que me apontava caminhos, sempre o vi como um deus; se hoje consigo me expressar com habilidade nas letras, devo muito a esse mestre guia espiritual humano de uma civilização inteira. Juro que tremi quando o encontrei lá no Letras, não sabia onde pôr a cara, as mãos, o corpo inteiro. Não sei se canto bem ou mal, mas gosto de gerar canções, usar as vísceras para isso fazer. Sei que o poema é música e caminha com sua próprias pernas sem precisar do complemento instrumental. Adoro cantar e continuarei cantando, sabendo sim que a poesia é o meu fluxo principal. Tenho como espelho nesse translado cantante o exemplo de Bob Dylan, Bono Vox, Cazuza, Jim Morrinson, Renato Russo… entre outros irmãos da escrita cantada. No meu entender, levar a visceral poesia para o pop, para o rock, para a canção é uma forma mais extensa de adentrar-se pelos lares desse país mágico, sonho do novo, nação de todas as nações (Tico sabe disso). O Brasil é negro/índio, terra perfeita para o oculto fazer sua gira. Nós aqui no papel de gira mundos, prontos estamos para rufar os tambores da selva absoluta. Para isso venho me preparando há anos, construindo célula por célula esse universo contagiante, estudei canto, aprendi de certa forma tocar um instrumento (e “como é bom poder tocar um instrumentú”), juntei músicas, pessoas, montei uma banda (BLAKE RIMBAUD) Varei esse país com meu canto espada de orixá de fogo, agora e pra sempre. Os livros também virão. Eu tenho um sonho e esse sonho é terremoto abrindo o chão e as cabeça. Com toda a humildade: NAM MIOHORENGUE KIO!

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