A sabedoria do Chico Balaieiro

A  sabedoria  do  Chico  Balaieiro

Jacob Boehme, místico cristão, tornou-se conhecido pela sabedoria profunda contida em seus ensinamentos. O mais espantoso é que ele era um simples sapateiro. Enquanto consertava sapatos, perscrutava os mistérios divinos, iluminando-se de uma sabedoria tal, que poucos doutores em filosofia alcançaram ao longo dos séculos. A história menciona alguns casos de homens dotados dessa virtude.  O mundo os considerava ignorantes. Todavia, sua “luz” penetrava tudo, razão pela qual podiam ser iletrados.  Talvez fosse melhor assim.

Fico matutando, cá com meus botões, se por acaso encontrei, ao longo de minha vida, pessoas dotadas de sabedoria intuitiva. Lembro-me, então, do Chico Balaieiro. O Chico foi meu contemporâneo na adolescência e  juventude, lá na minha cidadezinha natal. Nossa amizade era sólida. Eu o admirava pelo seu jeito simples de ser. Vivia numa chácara nos arredores da cidade, donde a família obtinha seu sustento, plantando, vendendo verduras, legumes, e criando galinhas. Ganhou o apelido de Balaieiro, porque também sabia fazer balaios de todos os tamanhos, usando o bambu muito especial encontrado naquela região. Era um artesão talentoso.

O que tornava o Chico uma pessoa muito especial era sua sabedoria intuitiva, além de que fazia inspiradas poesias, mesmo tendo   pouca escolaridade. Naquela época conseguiu terminar apenas o Curso Primário.  Não prosseguiu com os estudos pela necessidade de ajudar a família na dura lida da chácara, mas a leitura era a sua grande paixão. O que chamava atenção e o tornava muito querido era o seu senso de companheirismo, solidariedade e sensibilidade ao sofrimento dos outros.

Mudei-me daquela cidade aos 19 anos. Fui cuidar de minha vida. Poucas vezes retornei e, assim, perdi o contato com aquele amigo.

Há pouco tempo voltei para rever os poucos familiares que lá deixei. Isso aconteceu em novembro do ano passado. Percorri as ruas da cidade para ver se conseguia encontrar alguém da minha época. Gente para matar saudades, saber da vida, jogar conversa fora. Muitos já haviam partido deste mundo, me disseram.

Mas, não é que encontrei o Chico Balaieiro! Foi uma festa, uma grande alegria, um abraço emocionado! Passamos a tarde toda conversando na chácara. Ele, já com vários problemas de saúde, não se encontrava muito bem. Mas, a simpatia, o magnetismo pessoal, a espontaneidade, ainda o iluminavam. Contou-me que concluíra o segundo grau fazendo o supletivo. Mostrou-me sua pequena biblioteca, enriquecida com algumas obras raras compradas em  um sebo paulistano. Chegou a escrever artigos e poesias, publicados no jornal da cidade. Até presenteou-me com algumas de suas poesias, escritas a lápis em pequenos papeis avulsos.

Perguntei-lhe sobre a vida e suas expectativas quanto ao futuro. Ele me respondeu que vivia como se não existisse passado nem futuro, mas tão somente o agora, o momento presente. O futuro nada mais era que uma efêmera fantasia. – “Só este momento é verdadeiro. O essencial não está longe de nós; está aqui no presente, sempre, e em todos os lugares”, – disse ele com muita convicção. Atento, ouvi e bebi um pouco daquela sabedoria autêntica, quase incompreensível para a maioria das pessoas. Foi um belo momento com aquele sábio e poeta do povo.

Fiquei sabendo que  no início deste ano  Chico Balaieiro deixou a vida terrena.  Que pena! As encarnações também têm seu prazo de validade.

Por Gilberto Silos

Sobre Gilberto Silos 225 Artigos
Gilberto Silos, natural de São José do Rio Pardo - SP, é autodidata, poeta e escritor. Participou de algumas antologias e foi colunista de alguns jornais de São José dos Campos, cidade onde reside. Comentarista da Rádio TV Imprensa. Ativista ambiental e em defesa dos direitos da criança e do idoso. Apaixonado por música, literatura, cinema e esoterismo. Tem filhas e netos. Já plantou muitas árvores, mas está devendo o livro.

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