A Arrogância Minha de Cada Dia
Manhã de uma fria sexta-feira de julho. Lá fora uma garoa fina molha o pátio da casa. Estamos em pleno inverno. Reclamo porque não me dou bem com o frio. Mas, esperar o quê? Um sol de verão ? É o ciclo normal da natureza. Muita arrogância minha, como se ela dependesse de mim para alguma coisa. A realidade mostra que é justamente o contrário. A natureza passa muito bem, obrigado, sem a interferência do ser humano.
Ligo o computador e clico no UOL. De cara leio a notícia do falecimento do José Paulo de Andrade. Grande jornalista. Mais de 50 anos na lida. Famosos e abastados também são vitimados pelo covid-19. Num primeiro momento o pensamento que me vem é de que a pandemia pôs o mundo de cabeça para baixo. Dou corda a outros pensamentos e reflito melhor: talvez o coronavírus esteja mesmo é tentando colocar as coisas em seus verdadeiros lugares.
Parece haver um nivelamento na vida dos seres humanos. Nossas fragilidades diante do desconhecido estão sendo escancaradas. A ausência de uma vacina eficaz nos prostra à mercê de uma ameaça microscópica, independentemente do status social de cada um. Todos podemos morrer. A única diferença é que isso pode acontecer num quarto/apartamento de um hospital privado ou numa enfermaria do SUS. Todos têm de usar máscaras para proteger-se. Com o rosto parcialmente coberto, anulam-se os conceitos de beleza.
Sou obrigado a permanecer a maior parte do tempo em casa. Isolamento social não significa necessariamente solidão. Talvez eu aprenda a valorizar mais as minhas amizades. De repente descubro outras virtudes naquele amigo que, apesar da amizade, considero um chato de galocha. Ele é uma pessoa solidária e ética. Merece meu respeito e amizade e não meu julgamento.
O mais difícil nessa quarentena é confrontar-me comigo mesmo. Aprofundar-me naquilo que sou me assusta e dói. Olhar para dentro incomoda. A sociedade em que vivemos nos induz a olhar para fora, para o mundo que está aí, mas não solidariamente para outro ser humano. Sociedade competitiva, hedonista, de valores decadentes mas ainda muito arraigados.
A pandemia coloca em xeque a validade de tudo aquilo que admiro e desejo. Este mundo de aparências e consumismo desenfreado perde seu glamour diante de uma total imprevisibilidade. O futuro, se houver futuro, é uma grande incógnita. O que me resta é viver o momento presente, no aqui e agora. É a única realidade possível. Momento para rever meus valores. Oportunidade para praticar o desapego. Quando abro o meu guarda-roupas vejo muita peça desnecessária. Excesso. Roupa que raramente uso. Que aguardo um momento especial para vesti-la. Momento que nunca chega. Aquele terno elegante usei pela última vez há dez anos. Aquele bleizer lindo, de grife – entre parêntesis: comprei num bazar beneficente por 20 reais, fecha parêntesis – usei em duas ocasiões. Como muita gente, também me permiti fascinar pela superficialidade e artificialidade deste mundo. É preciso entender que tudo isso é um peso inútil. Uma tralha ilusória que carregamos ao longo da nossa existência. O que dá significado às nossas vidas são as pequenas coisas simples do dia a dia, que abundam ao nosso redor sem que as percebamos. Elas representam aqueles valores que um dia perdemos. Talvez a pandemia seja uma forma de resgatá-los.
Por Gilberto Silos
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