Por Eliane de Fátima Camargo
O real, a personagem e uma pergunta: O que sei de liberdade?
Queridas leitoras e leitores, como gostaria que a realidade fosse como a dos romances que tanto me enchem de imaginação. Mas, a realidade não é ficcionada, não tem belos adornos literários, pelo contrário, ela é nua, real e imperfeita. O cotidiano não é uma narrativa fantástica e cheia de paixão, principalmente para nós, mulheres.
Ouço uma música e escrevo algumas linhas na procura de um texto envolvente…porém outros sons menos poéticos me chamam de volta para a realidade.
“Eu moro em mim…Que casa bagunçada”.[1]
E, entre louça para lavar, comida para fazer…entre o não literário penso e rascunho um texto sobre liberdade. Doce ironia. O que sei sobre liberdade? O que nós mulheres sabemos? Se fomos impedidas de sermos livres por tanto tempo e ainda somos. Talvez eu não saiba sobre liberdade, mas saiba como é não ser livre. Me recordo de Carolina de Jesus, que em seu livro: “Quarto de despejo: Diário de uma favelada” descrevia a sua vida. Uma mulher negra, que morava em uma favela e catava recicláveis para sustentar os filhos. Uma mulher forte, mas que as condições econômicas não lhe permitiam viver os seus sonhos e a liberdade em sua plenitude. É fato, a vida nem sempre nos permite viver a nossa liberdade.
Ah! Liberdade! Vida apaixonada, busca de uma existência plena, autêntica. Tema que é recorrente em meus pensamentos, em minhas pesquisas, em minhas noites de insônia. Minha musa despida de qualquer regra.
Ao pensar em vida autêntica me vem na lembrança Ema, (Madame Bovary) uma das personagens que mais me encantam e me perturbam. Em 1857 na França, ganhou vida na escrita de Flaubert, em meio a uma sociedade religiosa e moralista. A personagem teve uma existência tão livre que levou seu autor a ser processado por ofender a moral da época. Mesmo sendo ficcionada por um homem, houve tal alvoroço, fico a pensar – E se tivesse sido escrita por uma mulher?- Sim, ao longo da história as mulheres foram temas, descritas por homens, e, poucas puderam ou podem ser protagonistas de suas próprias histórias.
Minha doce Ema, foi uma personagem com sede de paixão, de liberdade, de vida! Adorava livros de filosofia e de romance, por isso não via beleza em uma vida monótona trazida pelo casamento. Queria uma vida inventada, cheia de aventuras assim como os livros que lia. Morando em uma cidade pequena, casada com um homem bom, porém acomodado em sua existência. Vivendo entre pessoas que não tinham o mesmo amor pelo conhecimento que ela, fica amiga de Leon. Um rapaz de gosto refinado, que mais tarde seria também seu amante.
Mas é por Rodolfo, que ela carrega uma paixão que a fez enlouquecer. Rodolfo representava a vida autêntica que ela buscava em si mesma, mas não tinha. Os dois tiveram um romance que era cheio de poesia e de liberdade. Mas que foi interrompido porque Rodolfo apequenado por seu machismo, não poderia assumir uma mulher livre como ela, então a abandonou.
“ Tinha dias
Que o meu amor era anárquico
Em outros,
Conserva-dor”[2]
Ema entrou em uma tristeza tão grande, que nem mesmo sua filha a fazia querer viver. Tristeza que buscava esconder com compras fúteis. Tristeza que a consumiu até cometer suicídio.
“As outras existências, por mais insípidas que fossem, tinham, pelo menos, a possibilidade do inesperado. Uma aventura trazia consigo, às vezes peripécias sem fim. O cenário transformava-se. Mas para ela nada surgia, era a vontade de Deus! O futuro era um corredor escuro, que tinha, no extremo, a porta bem fechada.” [3]
A personagem era inconformada com uma vida pequena. Queria mais. Uma vida livre, filosófica! A qual, não poderia viver em uma sociedade moralista como a dela, por isso preferiu a morte.
É certo, em todas as épocas, a liberdade feminina ou foi negada ou foi vista como afronta. Mesmo em nossa sociedade, onde as mulheres conquistaram muitos espaços, mulheres como Ema seriam condenadas, chamadas de libertinas ou de outros nomes ofensivos, pois as mulheres ainda são definidas por padrões machistas. Arrisco dizer que o desejo e o prazer feminino nem são vistos como temas importantes para serem discutidos.
Ema nos faz pensar sobre uma vida maior, onde as mulheres podem ser protagonistas de suas histórias, de suas paixões. Não a vejo como uma personagem tematizada por um homem, mas, uma personagem que ganhou vida por si mesma. Que amou intensamente a sua liberdade e por amar demais não pode sucumbir a uma sociedade que negava a sua existência.
Por fim, e em busca de uma liberdade que me encontro longe de definições, deixo o meu desejo: -Que possamos ser livres, autores e autoras de nossas próprias histórias-
Referências:
[1] Poesia de Josemi Medeiros, lattes: http://lattes.cnpq.br/2364876534391414
[2] Poesia de Bruna Domingues, lattes: http://lattes.cnpq.br/6794757901295304
[3] FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Trad. Araújo Nabuco. São Paulo. Abril Cultural,1979,p. 51.
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