A boa ação

Por Milton T. Mendonça

O carro bateu contra o muro com um estrondo, a acordando do pesadelo na hora exata que tentavam estuprá-la. Ficou deitada, a respiração ofegante e o suor escorrendo pelo peito sem entender o que acontecera. Lembrava-se do som, um barulho gigantesco que fez tremer todo o barracão onde estava presa sob o corpo do homem, que a pressionava contra o feno.

A eletricidade correu seu corpo de cima abaixo fazendo arrepiar a pele úmida.
Sentou–se na cama confusa, a boca seca a deixava pegajosa. Levantou-se e foi à cozinha em busca de água, se encostou a pia ainda trêmula com o copo na mão. Levou-o aos lábios, sentindo a água fria molhar a língua antes de descer pela garganta a refrescando. Respirou fundo, mais calma, sentindo a opressão do sonho indo embora.

Puxou a cadeira e sentou tentando entender aquela noite infernal. Lembrou-se do homem que a apertava e sentiu seu hálito de volta ao nariz, seu rosto surgiu na névoa como um fantasma: Cabelos morenos, boca pequena de lábios finos, olhos oblíquos, tez pálida, orelhas de abano – horrível – estremeceu de pavor. Voltaria ao quarto – pensou cansada – e tentaria dormir novamente, a madrugada era recente o dia demoraria a clarear.

Ao atravessar a sala, a luz forte esparramada na parede chamou sua atenção, olhou pela janela curiosa. Lá fora, enfiado no muro um automóvel jazia imóvel, o capô avariado soltava fumaça.

Acendeu a lâmpada da varanda e saiu da casa tentando ver melhor. O carro com o condutor sozinho, e, espremido pelo air bag estava destruído pela pancada. Sentiu o cheiro da gasolina que escapava do tanque por um orifício e escorria em direção as faíscas que saiam da bateria. Correu para a porta do carona e puxou o cinto de segurança apertando com força o botão de destravamento. Com as duas mãos segurou o braço do motorista o arrastando para fora meio sem jeito, sem pensar muito, com medo do fogo que estava para começar. Retirou-o e o depositou estendido na calçada, voltando sua atenção para o perigo iminente.

Rapidamente desligou a bateria, conforme haviam lhe ensinado no curso que fizera. As faíscas pararam imediatamente ficando livre de uma possível explosão. Estava surpreendida com sua iniciativa. Salvara uma vida – pensou satisfeita.

O homem deitado no chão do calçamento gemeu alto. Olhou-o sobressaltada e percebeu que levantava a cabeça e a procurava com os olhos, na penumbra da rua mal iluminada.
– Está machucado? – perguntou preocupada.
– Não! – respondeu olhando para todo lado, assustado.
– O que aconteceu?
– Não sei, perdi o controle quando virava a esquina. O freio! Acho que o freio falhou.
– Consegue se levantar? Vamos lá para dentro, podemos chamar alguém…
– Não, não! Só preciso de alguma bebida bem forte, estou bem.

Levantou-o devagar apoiando o corpo, enquanto passava o braço pelo seu pescoço como num abraço, entrando na casa. Sentou-o no sofá e se dirigiu à cozinha, voltando com a garrafa e o copo cheios não o encontrando onde deixara.
Foi embora – pensou – olhando pela janela. Lá fora era tudo silêncio. Procurou o telefone e o tirou do gancho – ligaria para a polícia e deixaria que eles resolvessem o que fazer.
Enquanto discava sentiu uma pressão no ombro e uma mão surgiu em seu campo de visão, desligando o aparelho.
– Nada de telefonemas, boneca! A voz rouca falou bem perto de seu ouvido.
– O que é isso? – perguntou assustada.
– Vamos fazer uma festinha, queridinha, não vou perder essa oportunidade, humm…
– Mas salvei sua vida! – exclamou exasperada com lágrimas nos olhos.
– Considere como agradecimento pela boa ação, boneca.
Girou-a com força, colocando seu corpo à sua frente. Seu hálito lembrou o pesadelo, ficou lívida. A luz bateu no seu rosto e pode ver os mesmos olhos a fixando com sarcasmo. A boca pequena de lábios finos sorria malévola. Com a mão livre empurrou com força sua cabeça, a deitando no tapete da sala.
Olhou espantada a orelha de abano enquanto era penetrada com violência.

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