O hotel

Por Milton T. Mendonça

Deitou-se na cama, estendeu o corpo e se espreguiçou. Estava nua. Ficou por um momento deitada simplesmente relaxando. O sol da manhã se espalhava até o meio do quarto. A casa estava silenciosa, todos já haviam saído. Os meninos foram cedo para escola, era dia de ginástica. O marido fora trabalhar. “Graças a Deus” – pensou alegre

Sua cabeça estava vazia, um desejo de não sei o quê pairava sobre ela como uma lança. Levantou o braço e tocou os seios, sentiu prazer. Desceu a mão devagar, acompanhando a curva do corpo e acariciou o plexo solar lentamente. Isto fez se sentir bem .

A campainha tocou de repente a assustando. levantou-se de má vontade e olhou pela janela do quarto. Lá embaixo o homem esperava em frente à porta de entrada.

Vestiu-se rapidamente, ajeitou o cabelo para trás e desceu as escadas. Abriu a porta e o individuo lhe entregou o envelope, se afastando em seguida.

O envelope lacrado, de um cinza neutro, não trazia nenhuma identificação. Ela o apalpou curiosa, tentando entender seu conteúdo. Sentou-se à mesa da cozinha e espalhou tudo o que havia no seu interior. Uma chave tilintou ao cair chamando sua atenção. Pegou-a e leu a inscrição no punho: 1326b. A logomarca: um dragão desenhado em vermelho, com traços firmes, e impresso em baixo relevo, lhe pareceu familiar.

Pegou o convite sobre a mesa. Em letras góticas a convidavam para um encontro naquele mesmo dia, no meio da tarde. Nenhuma explicação foi fornecida a não ser o endereço, que percebeu, juntando tudo, ser de um hotel cinco estrelas muito famoso na cidade. Isso a deixou momentaneamente confusa.

Imaginou seu marido lhe enviando um convite surpresa, mas descartou a idéia como absurda. Ele jamais teria uma iniciativa dessas, não era dado a essas demonstrações de
carinho.

“Quem poderia mandar um convite desses?” Perguntou-se espantada. “Alguma amiga querendo pregar uma peça, com certeza” – deduziu. Imaginou como seria conhecer o hotel mais polêmico da cidade – amigas diziam terem tido experiências incríveis em seus aposentos, mas, em contrapartida, ouvira estranhas histórias de morte ou acidentes horripilantes acontecidos no local. Não sabia o que pensar. Deveria ir? – questionou-se pouco à vontade.

As horas seguintes se tornaram opressivas, o dia virou um turbilhão. O almoço saiu atrapalhado e seu término foi um alívio. Subiu para o quarto e se deitou como sempre fazia esperando que essa familiaridade resolvesse o dilema. Os minutos a perseguiam como lobos, uivando em seus calcanhares. De repente, se levantou, correu para o banheiro, tomou um banho rápido e se vestiu com certo cuidado para passar despercebida naquele ambiente refinado. Desceu as escadas, tentando parecer calma, abriu o portão da garagem e retirou o carro, saindo vagarosamente.

Dirigiu os cinco quilômetros que a separavam do seu destino e, antes de chegar, parou numa rua arborizada do bairro elegante que abrigava o edifício e se perguntou pela última vez: “deveria ir até o fim?” A resposta veio vagarosa, analisada minuciosamente, observada em todas possíveis alternativas. Mas quando chegou ao hotel, meia hora depois, estava segura do que deveria fazer.

Entrou no hall, caminhou até o elevador e esperou um momento. A porta foi aberta e ela entrou decidida. O ascensorista perguntou o andar. Retirou a chave da bolsa e mostrou rapidamente. O rapaz apertou o botão que indicava o andar desejado.

Décimo terceiro andar, leu na tela de cristal do painel. O elevador ultramoderno, sem o menor ruído ou sensação de movimento, a deixou sozinha, parada meio confusa, no extenso corredor com varias portas enfileiradas de ambos os lados

Caminhou de vagar, sentindo os pés afundar no tapete que enfeitava todo o comprimento do piso.

Virou à esquerda e um espaço aberto com algumas poltronas, ladeadas por duas grandes janelas, surgiu em seu campo de visão. Continuou até encontrar a porta em estilo colonial com o número em alto relevo: 1326b. Era ali. Recompôs-se por um momento e apertou a campanhia. O corredor com o seu abraço claustrofóbico a deixava nervosa. Esperou.

Lembrou-se da chave em suas mãos e a aproximou do orifício. Vacilou por um segundo antes de empurrar com firmeza e girar na fechadura. Tensa, ouviu o clic e a porta se abriu suavemente.

O velho surgiu de repente. Com o seu terno lustroso, aparentando ter saído das paginas de um livro de contos do século dezenove, apareceu a sua frente como num relâmpago a assustando. Convidou-a para entrar. Atravessou o umbral, deu dois passos e parou, passando em revista a grande sala a sua frente.

Uma lareira ao fundo chamou sua a atenção. Sobre ela, em um grande retrato, o homem a encarava com olhos perversos. Na parede oposta, retratos de mulheres, jovens e crianças sorriam ou brincavam com animais de estimação, pintados em cores alegres, dando um ar tropical ao ambiente deteriorado

Na sala muitos móveis antigos, alguns em estado avançado de putrefação, encheram de angustia seu coração. O velho ofereceu uma cadeira, pediu que esperasse e saiu, desaparecendo pela única porta que dava acesso ao restante do apartamento.

Olhou em volta perturbada pensando em ir embora. Procurou a porta com o olhar, estava fechada. A chave desaparecera de vista. Dirigiu-se à janela mais próxima tentando ver uma paisagem conhecida – nada viu. Apenas um amontoado de árvores sem nenhuma construção visível. Sentiu-se confusa. “Que estranho” – pensou. Um arrepio de medo cruzou seu corpo de cima a baixo.

Sentou-se e esperou sem muita paciência o retorno do homem. Passaram-se longos minutos e nada aconteceu. Levantou-se e se dirigiu ao outro aposento em busca de seu anfitrião. Encontrou apenas ruínas. Correu para a porta de saída e a abriu de supetão, quase caindo do outro lado em pânico.

Ainda correndo, se distanciou alguns metros da porta, estacando trêmula ao ser golpeada pela lembrança do corredor sufocante que encontrara ao chegar. Virou-se e contemplou o casarão muito deteriorado e invadido pelo mato plantado bem no local onde deveria estar o hotel.

Pessoas com capuzes excêntricos e tochas nas mãos começaram a rodeá-la. Soltou um grito quando a agarraram e arrastaram para o matagal a pouca distância dali.

– O sacrifício foi aceito. A voz sussurrou para o homem com o telefone colado a orelha. Ele desligou, sorriu e girou a cadeira olhando pela janela.
– Viva a liberdade!
Gritou para os homens que carregavam os caminhões alguns andares abaixo. Eles olharam e abanaram em resposta sem entender o comentário.

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