O segredo
Por Milton T. Mendonça
A madrugada estava fria, nuvens baixas encobriam o pequeno vilarejo, não se enxergava nada além de alguns passos. Madalena caminhava encostada à parede com medo de ser vista por algum retardatário, o adiantado das horas a constrangia. Precisava se mudar – pensou exasperada – não aguentava mais aquele lugar onde o passatempo predileto era a vida alheia. Mudar-se para a cidade grande, essa era a única maneira, só assim poderia dar vazão ao seu desejo secreto. Aquela noite fora maravilhosa – sorriu ao se lembrar.
Correu abaixada, atravessou o descampado passando a ponte e parou na esquina antes de virar. Perscrutou a noite e não viu ninguém, tirou o xairel da cabeça que pegara na estrebaria, à porta da cidade e escondeu, entrando silenciosamente em sua residência. O cachorro amarelo pulou em seu peito a assustando, quase a fazendo gritar. Afastou-o olhando para dentro atenta, todos dormiam, o silêncio era tranquilizador. Esgueirou-se para o quarto fechando a porta atrás de si, estava exausta. O suor escorria pela face rubra, descendo pelo pescoço e desaparecendo em seus seios fartos. Tirou a roupa e se deitou sobre a colcha de retalhos.
O sono a levou pelas mãos adormecendo sua consciência. Acordou sobressaltada com o sol queimando sua pele. Levantou-se apressada, se vestiu para o trabalho doméstico e correu para o fogão ouvindo o burburinho da casa que se agitava para mais um dia. Serviu o desjejum em silêncio, ansiosa para que a deixassem sozinha. Aos poucos foram saindo em busca de seus afazeres e ela pode respirar sossegada.
O dia passou monótono a deixando inquieta e mal-humorada. Finalmente a tarde findou e o sol se pôs, fazendo cair a cortina de sombras que lhe permitiria atravessar incógnita a aldeia curiosa. O jantar foi servido na hora de costume a deixando livre. Correu para o quarto e se preparou para a transformação. Vestiu-se com roupas leves, pintou o rosto com a maquiagem encomendada ao sacristão, oferecendo pelo seu sigilo alguns beijos pagos em reserva e esperou ansiosa seus irmãos irem dormir. Assim que a porta se fechou, antes mesmo de ouvir as camas rangerem sob o peso dos homens cansados, saiu furtivamente pelos fundos, desceu a estrada e desapareceu dentro da noite escura.
Chegara ao destino sem ser vista. De longe percebeu a luz do candeeiro iluminando a cabana dos caçadores usada somente na temporada, largada no resto do ano, ao sabor da intempérie. Correra ansiosa pelo caminho, subindo a encosta chegando próxima a casa. Parara resfolegando e, séria, prestara atenção às vozes que saiam do interior. Alguém ameaçava de morte uma mulher, que aos soluços pedia clemência.
Aos poucos, o sorriso se abriu em seu bonito rosto, permitindo ver a imensa alegria que tomava conta de seu semblante. Acelerou os passos, subiu os degraus da pequena escada, alcançou a porta e entrou na sala, onde um casal em trajes sumário ensaiava Shakespeare.
Colaboração de Milton T. Mendonça, para a Edição de Inverno da Revista Entrementes:
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