O casamento

Por Milton T. Mendonça

A tensão entre os dois está ficando cada dia pior. Jerônimo vai para o trabalho as sete da manhã e Iracema se levanta as seis e meia para fazer o café e acordar os três filhos pequenos. Depois de os aprontar para a escola, precisa arrumar a casa e fazer o almoço. Essa rotina a deixa estressada. Já não se lembra mais quando foi a última vez que fizera algo realmente interessante.

–          O que era mesmo que eu gostava de fazer nas tardes de folga?
Pergunta-se –   tentando se lembrar de como era sua vida de solteira.

Lá fora o dia está lindo, cheio de sol. Os pássaros cantam alegres festejando os primeiros dias da primavera. Uma corrente elétrica passa por ela como se o vento frio engarrafado que circula por ali no inverno a houvesse pegado à traição, deixando os pêlos do braço e da nuca arrepiados.

Larga a vassoura com raiva, recoloca o tapete no lugar subindo para o quarto. Escolhe uma roupa alegre, faz uma maquiagem leve no rosto, percebendo as primeiras rugas no canto dos olhos bem desenhados.   A angustia volta a oprimir seu coração..

–          Jerônimo mudou!
Exclama socando o espelho.
–          Dez anos não muda tanto uma pessoa assim. Cadê aquele amor prometido para sempre?
Sente as lagrimas chegando e se esforça para estancá-las. Não quer estragar a pintura e perder mais tempo. Precisa sair, tomar ar fresco. Ver gente bonita e movimento, sem compromisso.

Sai para a rua sem saber aonde ir. Pensa em procurar as amigas, mas àquela hora estão, como ela estaria, nos afazeres domésticos.

Liga o carro e sai vagarosamente sem destino.Roda pelo bairro observando as pessoas, indecisa. De repente se lembra do shopping. Ouviu falar da nova promoção de jeans. Na hora que soube, pensou ir, mas não achou tempo na sua agenda abarrotada de coisas insignificantes por fazer. Decidida acelera o automóvel e vira à esquerda. Pega a Teotônio Vilela e após percorrer boa parte de sua extensão, entra no desvio e sai próximo ao conglomerado de lojas.

O estacionamento do shopping, quase vazio àquela hora, é gratuito. Para o carro em um lugar discreto – força do hábito – e se encaminha para a porta de vidro que se abre automaticamente a sua passagem. O ar frio toca seu corpo. Outro calafrio desce sua espinha como uma premonição. Anda rapidamente até a escada rolante e sobe ao segundo andar. Caminha pelos corredores. Olha as vitrines sem pressa.
–          O dia está ganho!
Exclama entre dentes
–          Hoje o dia é meu. Os meninos que fiquem na casa da vó.
Entra na loja que procura e pede para ver os jeans. A atendente a deixa nervosa, sua voz estridente a desperta para o absurdo da situação.

–          O que estou fazendo aqui?
Pergunta para a moça, irritada. Sai em seguida sem um cumprimento.

Senta-se na praça de alimentação e pede um refresco. Pega o celular na bolsa e disca para o marido:
–          Alô!
Atendem do outro lado.
–          Quero falar com o Jerônimo, ele está?
O telefone toca várias vezes, mas ninguém atende. Desliga decepcionada. Toma o refresco e pensa na vida. .
–          Por que mudou tanto!
Exclama ansiosa.
–          O que foi que eu fiz?”.

Lembra-se da perseguição que sofreu quando Jerônimo resolveu que estava apaixonado. Sorri ao se lembrar das flores no portão, as serenatas de madrugada incomodando os vizinhos. A paixão nos encontros furtivos atrás da quadra do colégio. A lua de mel, que apesar de sua inexperiência não fora horrível como dissera sua mãe. Os dias maravilhosos depois, a gravidez, as férias no litoral.

–          Onde foram parar tudo isso?
Pergunta-se com lágrimas nos olhos.

As piores profecias de sua mãe estavam se concretizando. Ela estava certa afinal – constata de má vontade.

Relembra o flagrante. Sua mãe com outro homem que não seu pai, na garagem de casa, há muitos anos. O choro de sua mãe e sua promessa de silêncio.

Depois daquilo, nunca mais foram as mesmas. Sua mãe tentara explicar dizendo que um dia compreenderia, mas ela não acreditou. Recusou-se a perdoar. Recusou-se a tocar novamente no assunto e, apesar de nunca ter esquecido era a primeira vez que voltava a, conscientemente, pensar no caso.
–          Ela estava certa afinal!
Exclama perplexa.

Olha em volta envergonhada e enxuga o rosto com o guardanapo. Toma mais um gole do refresco se sentindo desanimada

–          Se isso é sempre verdade, para que serve o casamento?
Pergunta-se com raiva.

Ao lado, na mesa próxima, sente uma presença estranha e tenta esconder os olhos vermelhos. Olha disfarçadamente e vê o homem a encarando fixamente

–          O quê será que ele quer?
Resmunga irritada abaixando a cabeça timidamente.

–           Posso ajudá-la senhorita, parece que não esta bem? Odeio ver mulheres chorarando, sinto como se o dia perdesse todo seu encanto.

Ouve a voz gutural e se contrai assustada

–           Não é nada! – fala ríspida tentando afastá-lo.

Estende-lhe o lenço e ela o pega, incomodada. Ele se senta em sua mesa e transfere o pedido feito ao garçom. Iracema, chocada com a situação, finge indiferença.

O moço começa a contar o caso de uma situação similar acontecido no passado. Aos poucos seu estado de espírito melhora e quando percebe está conversando alegremente. Saem dali e vão até o estacionamento onde se despedem. Ela lhe fornece o número de seu telefone. Jura para si mesma que foi por gratidão.

De volta a casa, tudo lhe parece igual. Os meninos ainda não chegaram da escola, não ha recado na secretária eletrônica, o cachorro dorme no sofá do mesmo jeito que estava quando saiu. A vida volta ao normal e ela da continuidade à rotina como se nada tivesse acontecido. A noite vem como todos os dias. Jerônimo chega mal humorado como sempre e nada diz. O jantar transcorre silencioso. Os meninos ficam no computador, ela não se importa. Após o jantar, enquanto o marido assiste o telejornal ela se esconde na cozinha. Foi para a cama no horário costumeiro, e não viu o companheiro se deitar, como sempre.

O dia seguinte nasce luminoso, o relógio a pega acordada quando toca no horário habitual. Levanta-se pronta para mais um dia de silêncio, tristeza e perguntas sem respostas. Resolve que a vida é assim mesmo, sua mãe estava certa, afinal. Procura se conformar.

Às dez horas o telefone toca pela primeira vez. Ela esta lutando com o sofá da sala. Pega-o, instintivamente, no segundo toque

–          Alô!
A voz melodiosa de homem fala do outro lado da linha.

–          Pois não!
Responde sem muita convicção, esperando alguns minutos de tortura com o pessoal do telemarketing

–          Como está passando hoje?
–          Quem está falando?

Responde nervosa tentando ganhar tempo. Seu coração dispara ao perceber quem é. No final da conversa, aceita se encontrar com ele, meio sem querer, após o almoço.

Foi ao encontro, estaciona na garagem do centro da cidade, conforme o combinado. Ele a espera. Ansiosa entra no seu carro em silencio, constrangida.   Quando desperta do transe esta no Motel.

Não foi forçada, mas com jeito e experiência a leva para a cama. Faz amor com vontade e quando é deixada no estacionamento, na volta, algo nela mudou. As dúvidas e incertezas desapareceram.

A partir de então, quando o marido chega cansado e se senta no sofá, é ela quem trás a cerveja e liga a televisão. Quando se deita e o marido não a procura, não reclama. Dorme tranqüila, relaxada de corpo e alma.

Agora sempre vai ao shopping duas ou três vezes por semana. Pretende mudar seu itinerário no futuro, mas por enquanto esta satisfeita.

Senta-se na praça de alimentação e pede um suco. Abaixa a cabeça como quem chora até ouvir a voz oferecendo um lenço. Timidamente levanta a cabeça com um meio sorriso no canto da boca e olha o moço à sua frente.

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