Wilson Gorj – Escritor de minicontos

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Wilson Gorj – Escritor de minicontos

MÃOS
A pedido da cigana, concedeu-lhe a mão para ler. Ela sentenciou: “Seu grande amor está onde você menos imagina”. Estava certa. Dias depois, quem lhe pedia a mão era ele.

 

REVELAÇÃO
Trancou-se no laboratório da escola e, motivado pela revista pornográfica, ejaculou sob a lente do microscópio. Curioso, pôs-se a observar no líquido seminal a multidão de criaturinhas que nadavam afoitamente. Admirou-se. Todas vieram dele. Pensamento óbvio, do qual adveio outro: na verdade, os espermatozóides eram ele. Sim, todos eram ele, multiplicado aos milhões. Daí lhe veio a revelação. “Talvez Deus nos veja assim”, pensou. “Somos Ele. Todos nós. Ele, multiplicado aos bilhões.”

O ANIVERSARIANTE
Comemoravam o Natal. Eis então que escutam palmas. – Quem será? O anfitrião saiu para ver e encontrou um homem ao portão (a julgar pelo aspecto, só podia ser um andarilho). – O que deseja? – Vim tomar parte da festa – respondeu o estranho com a maior naturalidade. – Parte? – Por que não? Nada mais justo. Afinal, o aniversariante sou eu. O dono da casa olhou-o com pena. “O sujeito é maluco”, pensou. E depois, querendo tirar proveito da situação, provocou-o: – É mesmo? Então me prove. – Tens pouca fé. – Café? Tenho, sim. – Não quero café. Traga-me pão! – Ah, já entendi. Você vai multiplicá-lo… – Duvida?! “Que estratégia desnecessária para matar a fome”, tornou a pensar. “Bastasse pedir, ora!”. E sarcástico: – Espere aí, Jesus. Volto logo. Segundos depois, voltou trazendo algo melhor. – Não temos pão. E com um riso debochado, entregou o panetone. – Agora o senhor faça o favor de multiplicá-lo em outro lugar. Dito isso, deu as costas ao desconhecido e retornou para junto dos convidados. A comemoração seguiu noite adentro. Quando o primeiro conviva deixou à festa, mal acreditou em que seus olhos viam. Não havia por onde sair. Empilhados na calçada, milhares de panetones isolavam aquela casa.

A CURA
Tinha o dom da cura. Todos os dias, em frente à sua casa, formava-se uma enorme fila com deficientes e enfermos de todas as partes. Na cabeça de cada um, o Santo punha a mão e perguntava: “Acredita na cura?” Os que tinham fé se curavam. Tantas curas alcançadas atraíam pessoas de todas as classes e cleros, bem como de todos os males. Na expectativa de livrar-se do seu mal, um outro santo enfrentou a fila e, tocado pelo colega, teve a chance de responder SIM. Na saída, o santo visitante encontrou uma mulher encurvada, a gemer de dores nas costas. Pediu-lhe permissão para tocá-la na área dolorida. Ela consentiu e, após ser tocada, não percebeu nenhuma melhora. O ex-santo aconselhou-a a permanecer na fila, pois decerto o outro haveria de curá-la. “Afinal, quem é você?”, ela quis saber. E ele, sorrindo: “Um homem curado, minha senhora. Um homem curado”.

TIRANDO O ATRASO
Sessenta dias no mar. Sessenta dias em companhia masculina. Sem ver mulher de forma alguma. Era muito tempo para quem estava acostumado a vê-las todo dia e a tê-las quando quisesse. De noite no convés, à luz da lua, enxergou um vulto nadando próximo ao casco do navio. Pensou que fosse um tubarão, mas o vulto revelou ser outra criatura. Ela emergiu, chamando-o para perto de si. Lábios carnudos, seios à flor da água… Ele não resistiu. Mergulhou ao encontro da sereia. Mas quem tirou o atraso foi mesmo o tubarão. Sim, um tubarão. O mar também tem suas miragens.

INSEGURANÇA
Tiroteio entre traficantes e policiais. Pânico! Correria de civis… Um casal busca refúgio, agachando-se atrás de um automóvel estacionado rente à calçada. Gritaria! Estampidos! Um aperto de mão mais forte antes de tombar na sarjeta… A lataria dos veículos de hoje é tão frágil quanto a nossa segurança.

ENQUADRADO
Havia um bloqueio militar na estrada. A polícia estava à procura dos assaltantes de um banco, do qual há poucas horas roubaram uma pequena fortuna. Policiais armados paravam motoristas, revistavam automóveis. Numa dessas revistas, encontraram alguns pacotinhos de maconha no porta-luva de um fusca meia-oito. Flagrado e enquadrado como traficante, o jovem motorista foi condenado a dez anos de prisão. Tivesse roubado um banco, teria amargado apenas cinco.

BREVE DISCURSO
Gozava de boa saúde e juventude. A despeito disso, vivia abordando os outros para pedir dinheiro. Aplicava sempre o mesmo discurso: família pobre, irmãos pequenos, pai alcoólatra, mãe doente e, para piorar, ele, analfabeto, não conseguia arranjar emprego. Chegou, pois, à conclusão de que gastava muitas palavras para receber apenas uns poucos trocados. Era hora de mudar a estratégia. Com modesto investimento, apelou para um argumento bem mais sucinto: “Passa a grana, se não morre!”. Espantoso como o faturamento aumentou.

 

Foto: Gustavo Souza Silva

Escritor Wilson Gorj nasceu em Aparecida (SP), em 1977. É autor do livros Sem Contos Longos (2007) e Prometo ser breve (2010). Antes, porém, de investir na microficção, teve contos e poemas premiados em concursos literários, alguns, inclusive, publicados em antologias.
Seus minicontos também estão presentes nas antologias Contos de Algibeira, editora Casa Verde (RS), e Entrelinhas, editora Andross (SP).
Na Internet, tem microcontos publicados nas revistas virtuais Minguante e Veredas e no site Releituras, além de publicá-los em blog’s e comunidades do gênero.

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