No meu caso, tenho lado sim e não é esquerda, direita e nem centro…e sim, já simpatizei um dia com o anarquismo, hoje não!
Nasci no interior do Paraná, na roça, de cor morena, na verdade amarelada como os índios, portanto já nasci com um lado. Quando criança, meu pai, um homem que nunca foi à escola, uma criatura além do seu tempo, nos ensinou a ler, escrever e fazer as contas básicas na matemática, antes de irmos à escola (eu e meus irmãos). Promovia jogos dentro de casa, para que pudéssemos ser ágeis no raciocínio. Enfim, ele era fantástico. Lembro dele arando a terra e correndo para colocar mais uma nota na partitura, porque ele compunha e tocava clarinete. Era um ateu que reverenciava a Natureza, ecologista natural e nos ensinava a não acreditar em religiosos, falsos e hipócritas cristãos. E, mesmo lá no meio do mato, sem eletricidade, sem TV (não tínhamos dinheiro para isso), ele ouvia no rádio todas as notícias. Ouvia a voz da América e a rádio central de Moscou. Então, nasci num ambiente diferente, com um pai extraordinário que respeitava as mulheres. Nunca fui rebaixada, humilhada ou desprezada por ser mulher. Ele orientava meus irmãos homens, que nós, as meninas, tínhamos os mesmos direitos e éramos tão inteligentes e sagazes quanto eles.
Mas as experiências de vida, a falta de dinheiro e uma sociedade massacrante nos faz ter lado. Meus pais nasceram em São José dos Campos e foram para o estado do Paraná, que oferecia terra barata. Depois de alguns anos trabalhando na roça, resolveram retornar para a cidade natal deles, com os filhos que nasceram no Paraná.
Quando cheguei em SJC foi tão surpreendente, que não acreditava que se pudesse viver num lugar onde não havia discriminação (acreditei nisso), porque comparando com o Paraná, achei que havia chegado ao Paraíso. Amo SJC e o Estado de SP, onde todos se misturam e ninguém se preocupa com a vida alheia. Isso foi pra mim uma guinada estupenda. Por isso digo que tenho lado sim. Sei que o lance não é esquerda, direita e centro e sim quem está em cima e quem está embaixo. Eu tenho consciência de classe. Os que têm o poder e dinheiro é que determinam o destino de uma nação e do mundo, enquanto os que não tem, são escravos desse grupo, sendo massacrados todos os dias sem dó nem piedade. Acho que nascer no signo de Libra me dá esse comichão de não suportar injustiças. As injustiças me corroem por dentro e brota aquele desejo terrível de fazer alguma coisa para sanar isso. Mas no fundo, sei que é inútil, uma luta perdida muitas vezes. Apesar de tudo, ainda estou do lado daqueles em que a corda arrebenta mais fácil, o lado do mais fraco. Parece utopia? Sim, é uma utopia!
“Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros”.” Che Guevara
Nesse momento, nosso país foi invadido por uma extrema direita e isso nos dá a noção do quanto somos despolitizados e agimos como escravos dos que tem o poder. A direita que se mantinha no poder, aliados aos empresários, já era nojenta, mas ainda dava pra suportar. Quanto a esquerda que governou este país, também fez alianças com os grandes empresários, porque se assim não fizesse, não galgaria nunca o poder. No entanto, nessa negociação o lado social foi priorizado. Mesmo com esse tipo de aliança, ainda assim o povo foi favorecido de alguma forma, como a erradicação da fome, comprar uma casa, um carro, acessar as universidades, viajar de avião por aí, etc. E isso foi o bastante para uma classe média raivosa se revoltar, porque a classe pobre estava a galgar o mesmo espaço que ela. Então, ressentida como sempre, ajudou a ultradireita a tomar o poder, que veio para massacrar de vez. Dá até para suportar uma direita que ainda respeite os seus cidadãos, como um Ulisses Guimarães por exemplo, que apesar de direita e conservador, criou uma constituição cidadã, inovadora em sua natureza, com discurso bem elaborado de acesso gratuito a saúde, educação, etc. Isso foi uma boa conquista para o povo brasileiro. Também é possível conviver com uma esquerda que trabalhe bem o social, dando acesso a educação e saúde com qualidade, respeitando o cidadão e sua livre expressão. De certa forma, o Brasil estava no caminho para chegarmos a uma sociedade como a dos países nórdicos…mas, deu ruim no meio desse caminho.
No Brasil agora, esse discurso de pátria, família e propriedade e a atuação violenta de um estado policial, atitude padrão de qualquer ultradireita no mundo, aqui ela é burra. Essa multidão de gente sem noção, terraplanista, negacionista, anticiência, anticultura e pior de tudo, evangélicos fanáticos e milicianos. Essa gentalha não cabe nem na idade média.
Os que estão embaixo são maioria, somos maioria, poderíamos brigar pela igualdade, mas fomos regados a submissão e nos tornamos passivos como cordeiros. O anarquismo em seus primórdios, foi uma ideologia com o intuito de acabar com essa submissão ao poder, ao governo e ao dinheiro. Acabou descambando para os Ancaps, que não dá pra compactuar. Ficamos com o anarquismo dos nossos pensamentos, numa revolta interna. Segundo Camila Jourdan, filósofa brasileira, uma das ativistas presas em 2013 por participar daquele movimento em SP e RJ, explica em seu livro “2013” que pela primeira vez o anarquismo agiu no Brasil com a tática black broc. Foi bem real e desagradou tanto a direita quanto a esquerda que não gostaram do movimento. Inicialmente aquele foi um movimento anarquista, mas virou uma miscelânea após a morte daquele jornalista. A ultradireita entrou no jogo e acabamos de braços dados com esse arremedo de neo-fascismo e neo-nazismo. Agora que está começando o desgaste, o centrão toma conta, cuidando dos seus interesses capitalistas, como sempre fizeram. Resumindo, estamos ferrados, única coisa que dá pra falar sobre a nossa situação miserável.
Em São Paulo não teve bolo pra comemorar, mas a luta continua!
Elizabeth de Souza, a rebelde por natureza.
Faça um comentário