Mario Quintana e sua relação com Porto Alegre

Poema de Quintana data do dia 1º de 1946 – Foto: Associação Amigos da Biblioteca Pública do Estado (AABPE)

 

Mario Quintana e sua relação com Porto Alegre: a influência da cidade escolhida como lar pelo escritor em seus poemas

O poeta gaúcho mostrou amor pela capital do Rio Grande do Sul em diversas obras, mas a urbanização da cidade aflorou sentimentos negativos

 

Mario Quintana é um dos escritores mais célebres da literatura do Brasil. Autor de dezenas de livros e centenas de poemas, ganhou o Prêmio Fernando Chinaglia da União Brasileira de Escritores (1966), a medalha Negrinho do Pastoreio do governo estadual do Rio Grande do Sul (1976), o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras (1980) e o Prêmio Jabuti (1981).

É conhecido pela simplicidade de sua escrita, construída com linguagem coloquial, liberdade de composição, narração do dia a dia e melancolia. Grande apreciador de sonetos, Quintana seguia o estilo de outros autores gaúchos, cuja visão regionalista dissecava a relação da tradicionalidade do passado com a plástica dos tempos modernos.

No sentido do localismo, a cidade de Porto Alegre sempre foi sua maior musa.

 

Breve biografia de Mario Quintana

Mario Quintana nasceu em 30 de julho de 1906 no pequeno município de Alegrete, na região sudeste do Rio Grande do Sul, hoje com pouco mais de 72 mil habitantes. Em 1919, se mudou para a capital, Porto Alegre, para estudar no Colégio Militar (CMPA).

Antes de publicar seu primeiro livro, A Rua dos Cataventos, em 1940, trabalhou como tradutor para a Editora Globo, adaptando para o português a obra de diversos escritores internacionais renomados, como Virginia Woolf, Giovanni Papini, Graham Greene, Edgar Wallace, entre outros. Em 2017, após O Pequeno Príncipe se tornar domínio público, a versão traduzida por Quintana em 1980 foi publicada pela Melhoramentos. De 1953 a 1977, também foi colunista de cultura do jornal Correio do Povo.

Apesar de ter sido reconhecido e homenageado por membros da Academia Brasileira de Letras, como Augusto Meyer e Manuel Bandeira, Quintana não conseguiu conquistar sua cadeira. Candidatou-se três vezes, mas não obteve a quantidade necessária de votos. Ao ser convidado para concorrer mais uma vez, sob a promessa de aceitação, ele recusou – disse que lamentava a politização da casa de Machado de Assis.

Mario Quintana nunca se casou e não teve filhos. Passou a vida adulta escrevendo e navegando entre os hotéis porto-alegrenses.

Porto Alegre de antes e depois

Quintana acompanhou as mudanças de Porto Alegre. Assistiu de perto a modernização e a expansão da cidade, dando origem a poemas com traços tristes e melancólicos.

Por conta disso, estudiosos consideram Mario Quintana um escritor evasionista – que se alheia à realidade. Seu descontentamento com os acontecimentos que iam no sentido contrário de seus pensamentos localistas e nacionalistas era tão grande que suas obras buscavam elementos que fugiam da verdade, mas de maneira sensível e fantasiosa.

De acordo com o artigo Porto Alegre, a “pequena cidade grande” de Mario Quintana, de Anna Faedrich Martins para a revista científica Nau Literária, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ao dar enfoque à vida cotidiana, ele mostrava a magia daquilo que é banal, negando o que acontecia de fato para criar uma figura quase distópica de Porto Alegre.

Em A Rua dos Cataventos, Quintana logo avisa que a imagem da cidade é criação de sua imaginação, distanciando-se do mundo real para adentrar o mundo dos sonhos. O livro discorre sobre como era a cidade até os anos 1930, e como se transformou nas décadas de 50 e 60. O conforto de antes não existia mais, o que o obrigava a criar seu próprio universo.

Desta forma, ainda que Porto Alegre já fosse grande naquela época, Quintana a enxergava como uma cidadezinha. O apreço pelo silêncio e pelas coisas simples fizeram dele um saudosista. Em Soneto II, sua narração é de um lugar pequeno e tranquilo, mas que é apenas uma lembrança. Em Soneto XXIII, ele se coloca na posição do turista que admira uma cidade pacata.

O “vento de Desesperança” de Soneto VIII é visto como a representação das mudanças da nova paisagem urbana e a ânsia pelo passado: “Eu quero os meus brinquedos novamente!” Essa noção se torna cada vez mais acentuada ao longo dos poemas Canção da ruazinha desconhecidaTopografiaUrbanismo e Barulho e Progresso. Em Antes e Depois, ele cita sua musa diretamente:

Porto Alegre, antes, era uma grande cidade pequena.

Agora, é uma pequena cidade grande.

Arquitetura moderna

Como alguém tão desejoso pela austeridade de lugares pequenos – o “tempo de cadeiras na calçada”, como cita em Tempos Perdidos –, Mario Quintana se mostrava insatisfeito com a arquitetura moderna que invadia Porto Alegre. Ele escreve sem rodeios em Arquitetura Funcional:

Não gosto da arquitetura nova

Porque a arquitetura nova não faz casas velhas

[…]

Porque as casas novas não têm fantasmas

E, quando digo fantasmas, não quero dizer essas assombrações vulgares.

Mesmo assim, não era imune às seduções da modernidade, embora não estivesse totalmente convencido. Ao mencionar “[…] mudanças do Tempo, / Que ora nos traz esperanças / Ora nos dá incerteza” em Eu escrevi um poema triste, a divisão é evidente.

Em O Mapa, o interesse pelo novo é exibido novamente, mas o poeta se entristece por não conhecer a cidade como antes e imagina tudo o que não viu e que nunca verá:

Olho o mapa da cidade

Como quem examinasse

A anatomia de um corpo

[…]

Sinto uma dor infinita

Das ruas de Porto Alegre

Onde jamais passarei…

Em Notas da Cidade, sua insatisfação é mais forte e escancarada:

O mais triste da arquitetura moderna é a resistência do seu material

[…]

Esses tetos baixos me abafam… De modo que só resido em casas antigas. Acontece é que as casas velhas têm proprietários velhos, muito velhos aliás e por isso mesmo muito morredores. E seus herdeiros resolvem sempre vendê-las a construtores de edifícios. Resultado: há anos que venho me mudando: sou uma pobre vítima do surto do progresso e do clamor público.

 

Legado de Mario Quintana em Porto Alegre

Na zona nordeste de Porto Alegre, o bairro Mario Quintana foi criado em 1998. Hoje, tem 37.234 habitantes.

O centro abriga a Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), inaugurada em 1990. O prédio era antes o Hotel Majestic, onde o escritor morou por um bom tempo. O espaço é voltado à literatura, cinema, música, artes visuais, teatro e realização de oficinas e eventos culturais.

Mario Quintana está enterrado no Cemitério São Miguel e Almas, também na zona central, onde é possível visitar seu túmulo e homenageá-lo com presentes e coroas de flores em Porto Alegre.

Outros grandes escritores gaúchos estão enterrados no mesmo cemitério, como Érico Veríssimo e Caio Fernando de Abreu.

 

Hedgehog

Mario Reis
mario.reis@hedgehogdigital.co.uk
(12) 99735-6532

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