Quem precisa da semana de literatura?
Eu sempre busco estar em lugares fora do meu ambiente de conforto. Lugares em que haja poucas pessoas conhecidas. Isso não quer dizer que não gosto do meu ciclo de amizades. Evidente que não é essa a questão. Sempre observo com atenção coisas que não compreendo, coisas que me chocam, que mostram um outro sentido. Sentido esse, em que me deparo com situações reais, falas reais com propriedade de quem vive de fato a realidade brutal e desigual do dia a dia. Reconheço nelas a legitimidade da luta contra toda e qualquer tipo de preconceito.
Estou ficando cada dia mais seletivo com meus rolês. Reflexo da idade, talvez.
Fui no sarau Epicentro da Margem no centro da cidade. Choveu, montamos uma tenda na chuva mesmo. Luciana Braúna fez a abertura com sua fala sempre precisa e direta sobre a cidade, ausência do estado, preconceitos e tantas outras demandas necessárias.
Jonas minhocão conduziu muito bem o sarau, contou sua trajetória e falou de como surgiu esse encontro incrível entre a poesia e a música. Em seguida, Flor da resistência contou um pouco sua história, declamou seus poemas com uma força incrível de quem luta pra sobreviver diante de todas as adversidades do mundo. A luta das Mulheres também é a nossa, ou pelo menos deveria porque diante de tantas pautas urgentes, a violência contra as Mulheres, contra as Trans deveria ser uma luta de todos. Tanto é que ainda estou sem acreditar que uma mulher, artista, palhaça, errante tenha sido assassinada de forma tão covarde enquanto exercia seu direito de ir e vir pedalando em sua bicicleta com a liberdade dos que inventam um mundo melhor para si e nos ensinam sobre o verdadeiro sentido da vida. Os covardes nunca vão tirar nossa liberdade de ser o que a gente quiser Jujuba. Continuamos por aqui nessa pedalada errante pelo mundo, por você e por nós. A arte sempre será libertadora!
As Trans também tiveram seu lugar de fala. Contaram suas histórias de rua, de sobrevivência e de liberdade.
Depois chegou George Furlan. Poeta, Figura generosa, abriu sua maleta cheia de livros e declamou poemas de outras autores daqui,( sim, São José tem muitas Mulheres poetas/poetisas) deixando Fé civil, seu livro mais recente de poesia para outros carnavais. Eu também falei um pouco o porquê de ter ido ao sarau Epicentro da Margem. Porque eu gosto de estar perto de pessoas reais, pessoas diferentes, com estética, corpo, glamour, sorrisos, dores, lutas e olhares e falas que me tocam. Me sinto bem quando estou próximo de pessoas que partilham do mesmo sentimento que eu. O sentimento de justiça, de igualdade e liberdade. Foi um encontro muito produtivo, com falas muito pontuais sobre as demandas do nosso tempo. Sinto falta de encontros assim, reflexivos e imensamente plural. Na verdade, não sinto falta de nada. Não tenho tempo pra sentimentalidades existenciais. Sempre me pergunto – Qual a razão da existência da academia Joseense de letras? Qual a razão do puxadinho da Semana Cassiano Ricardo que termina sem ter começado, perdido propositalmente em meio aos tradicionais festivais que acontecem na mesma data. Por que não se dá o devido valor a quantidade de escritores que sempre fizeram e continuam fazendo a literatura pulsar nessa cidade? Por que são sempre os mesmos nas mesas de bate papo sobre um autor só, morto? E os vivos? Será que incomodam? Será que não sabem escrever? Se esse for o caso, cadê os críticos de literatura? Será que um dia conhecerão essa nova geração de escritores que vem surgindo à margem? Ou será que vão ficar mais 30 anos estudando a obra de um autor só. Foi-se o tempo de criar polêmica, o que eu quero mesmo é continuar transitando por aí, conhecer gente real, VIVA! que me ensine novas formas de declamar, de cantar a poesia, de escrever, certo ou errado, que me faça refletir, falar pouco, ter momentos de hiatos nessa vida, sem culpa e rascunhar, rascunhar sem pressa…
“A vida onde jaz convertida
É princípio de morte
Viver é pedra lapidada
Pela força bruta revoltada
Em que se lançam as mares.”
F.s
Obrigada Selmer amigo por essa preciosa colaboração. Uma ótima reflexão sobre a vida real dos artistas e das artes em Sanja e a mania de ficar só lembrando de alguns em detrimento de muitos.
Verdade, a Arte sempre será libertadora em meio a um mundo violento e sem sentido, muitas vezes. Que bom lembrar de Julieta que perdeu a vida de forma tão cruel. A maldade humana não tem limites.
Grande abraço, querido Selmer!