Epílogo

Os monges copistas existiram entre os séculos V e XV, e a eles cabia a missão de fazer cópias, para a posteridade, do conhecimento humano acumulado até então. Ainda não havia imprensa, e copiar à mão os pergaminhos era a única forma de disseminar o que o homem sabia à época. Eles passavam a vida copiando, pacientemente e em exímia caligrafia, textos sagrados, conteúdos culturais, filosóficos, artísticos, científicos e até mesmo profecias. Cada página era uma verdadeira obra de arte, com ricas ilustrações emoldurando a escrita.

Assim dizia uma dessas profecias, que ia sendo copiada por um monge, àquela altura já vencido pelo cansaço: “O que se entende como sendo livro será soterrado e substituído pelo reinado do Kindle, que aniquilará um bilhão de bibliotecas num piscar de bites. Arderão em chamas volumes alinhados ao longo de centenas de milhares de quilômetros. Pois que em um único e reles Kindle caberá todo o conhecimento acumulado pelo homem, das bulas de dipirona aos pergaminhos do Mar Morto. O labor de séculos de trabalho abnegado dos monges copistas se perderá no sono do esquecimento, sem que os tolos do século 30 sequer saibam de sua existência.”

– O quê?????

A mão do monge tremeu e um borrão botou a perder horas de noites em claro. Tombou de sua cadeira o religioso, como uma árvore carcomida, após infarto fulminante.

Mas era um sonho de Wang.

– Wang, Wang… acorda. Se o chefe te pega cochilando em pé, já viu. Não dormiu direito?

Wang se recompõe, vai até o banheiro, joga uma água no rosto e volta à linha de produção. O selo “Made in China” foi colado de cabeça para baixo em três dos kindles produzidos pela manhã. Ah, se ele é pego pelo Controle de Qualidade…

Sim, pensou Wang. Preciso dormir melhor.

Esta é uma obra de ficção

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