Data: 06-06-2022 07-06-2022 Nome: Luísa FRESTA
Ficha de leitura
Título: AMOR EM FOLHAS
Autor: Ernesto Dabo
Editora: Editorial Novembro ©
Coleção/ Edição: 1ª edição
Ano de publicação: 2022
Género literário: Poesia
Número de páginas: 107
Resumo :
Meu Amor, Meu Mar (excerto, pág. 19)
“Pronto, o rio deixou a mão da lua
Correu à procura do corpo de aberto desejo.(…)”
Terminada a leitura da mais recente obra de Ernesto Dabo (poeta, cronista, dramaturgo, músico e fotógrafo, como se lê no prefácio de Alexandre Faria) voltei aos poemas para reabsorvê-los e sorvê-los um por um, palavra a palavra. Colocando a ênfase na obra − e não no autor − cuja extensa e rica biografia, também com inegável interesse extraliterário, poderia servir de rastilho para outra abordagem, registo as primeiras impressões quase irrefletidamente; outras surgirão nas leituras subsequentes, mas as primeiras são imutáveis. As presentes notas surgem em resultado dessa primeira leitura espontânea somada a um olhar posterior, mais atento ao pormenor, procurando abarcar os textos em profundidade.
O autor é natural da ilha de Bolama, arquipélago dos Bijagós (Guiné-Bissau) e logo no prefácio lemos que a ilha não é um cárcere se a transformarmos na sua verdadeira essência, um poema para o mundo.
O livro reflete a maturidade do homem e do poeta, cujo único compromisso é com a autenticidade e o encantamento perante a vida, o amor, a família (Ser Feliz, De teu Nome Nilo). E assim nos fala o poeta, no seu texto Em Várias Notas (pág. 11): “Escolhe um dos meus ombros/ Ouve o concerto dos meus dedos nos teus cabelos// Necessariamente tensos/ Criamos variações.// De abraços e beijos/ Trocamos pedaços íntimos/ Vertemos mares sem margens/ Em várias notas/ Do camarim à boca de cena/ Em gratidão à brisa.”
Em jeito de homenagem quase naïve, fazendo lembrar os haicais, escreve sobre/(descreve) a sua Bolama natal com candura e suavidade, sem procurar justificar nem concetualizar esse apego visceral.
A ligação à terra e à natureza (O Sol, o rio, aves e répteis, a Lua, as rosas, o verde seco, a chuva, as gaivotas ou os cardumes…) têm também um lugar de relevo, assim como a indignação perante a ignomínia do racismo (Floyd, Pétalas do mesmo Jardim (ODE A CANDÊ)). Bem como as memórias dolorosas, nostálgicas, magoadas e outras vivências marcantes, episódios relacionados com a História da Guiné-Bissau, o colonialismo (Marés de Pindjiguity) ou o período pós-colonial (Como A Cada Setembro, Meu Chão Único). Há ainda a assinalar uma clara preocupação com o futuro da humanidade, o legado para aqueles que nos vão suceder: veja-se o caso do poema Que Mundo Virá?
Mas mesmo no auge da revolta e da tristeza a palavra do poeta é sempre um sopro conciliador de paz e de fraternidade, apelando ao que possa subsistir de “humano” em cada ser humano. A sua eventual revolta advém de justa indignação, mas busca também reparar, sanar feridas. Em vez de acentuar o abismo, de fraturar, o poeta e humanista opta por unir, soldar pontes e melhorar a humanidade em nós. “(…)Destino feito não existe/ Mas é preciso/ Por isso/ Faz o teu do tamanho que puderes (…)” (Herança, pág. 34).
De alguma forma a nossa alma e corpo acumulam cicatrizes, mas o autor é capaz de sublimar o sofrimento individual e coletivo através da palavra poética, apaziguadora e solidária, com timbre de esperança. “Firme vou/ Com os pés no passado/ Presente no peito/ Futuro na cabeça.(…)// (…) Nunca te deixarei pelo caminho/ Sem ti/ Perco a estrada.”(Como Vais?, pág. 24, 25). Voltei a ler vários dos seus textos com fundo musical de kora ou sons da natureza: creio que eles pedem insistentemente esse complemento para se expandirem dentro de nós.
Amor em Folhas é o meu novo livro de poesia de cabeceira. Na obra de E. Dabo encontro também alguns textos impregnados de delicada sensualidade (carregados dessa noção primária e simultaneamente requintada conhecida como sabura, um termo que une a Guiné-Bissau e Cabo Verde, equivalente de bem-estar, prazer ou sabor, como especificado pelo autor). Esses textos evidenciam a expressão do amor perene, discreto e empenhado, que a maturidade apura. Trata-se de uma clara manifestação das vozes do amor romântico, do calafrio do desejo e da intimidade, mas também da doce vertigem perante o milagre da criação, a descendência e a dor da partida dos entes queridos para outra dimensão.
Finalmente surgem onze poemas em crioulo da Guiné-Bissau (não os consigo assimilar na integra, mas entendo a sua importância e vitalidade), uma vez que ajudam a compreender os diferentes matizes do ser humano, de que matéria somos feitos, as culturas e línguas que nos acolhem. Por outro lado, creio notar que ficou bem patente a condição de ilhéu e, ao mesmo tempo, de homem do mundo, com o olhar sobre os outros e simultaneamente em Bolama, um olhar apaixonado e abraçado à terra, que é, em si mesma, um universo.
Quanto às notas biográficas lembrei-me que já há muito que sinto a premência de conhecer melhor a sua faceta de fotógrafo e de músico, indissociável da poesia, diria eu. E comecei pelo tema Lembrança, do qual encontrei, felizmente, o registo de lançamento em Montréal.
Enfim, quase a finalizar, vejamos o que nos diz o próprio poeta sobre o prazer ou a pulsão de Ler (pág.62): “(…)Sem me dar conta/ Qual servo incondicional/ Me tenho curvo ante o livro/ Descosturando como bombom/ Cada recado da sua fala feita página(…)”.
“(…)as palavras perduram no nosso íntimo, muito para além do que esperamos.”, escreve o prefaciador, Alexandre Faria. Não poderíamos concordar mais com essa perceção e formulamos idêntico desejo para cada um dos leitores de Amor em Folhas.
Parabéns, poeta Ernesto Dabo, pelo seu novo livro! Abraço.
Obrigada pelo seu comentário, prezada Rosária Pedroso.
É sem dúvida um livro da maior relevância para a língua portuguesa e para todos os amantes de poesia.
Cumprimentos,
Luísa Fresta