Chiquinho Bardot

Chiquinho Bardot

Seu nome era Francisco Theodoro, mas todos o chamavam de Chiquinho Bardot. Éramos amigos íntimos na adolescência e parte da juventude. Fomos colegas de escola e servimos na mesma turma do Tiro de Guerra.
Mas, por que Chiquinho Bardot? Donde provinha esse “Bardot?
Na verdade, era um apelido que lhe fora dado pelos seus traços fisionômicos delicados, parecidos com a atriz francesa Brigite Bardot.
Poucos sabiam, naquela cidadezinha interiorana, ser ele dotado de uma certa paranormalidade, que alguns chamavam de mediunidade. A esse respeito, ele mantinha muita discrição. Acima de tudo, era boa gente.
No início dos anos 60 essa convivência foi interrompida. Eu, muito jovem, fui tentar a vida em São Paulo. Ele, por sua vez, também botou o pé na estrada e foi embora para Londrina, no Paraná.
Cada qual cuidando de sua vida, o tempo passou e perdemos o contato. Depois, vim residir em São José dos Campos e nunca mais soube dele.
Décadas depois, fui passar o Natal na casa de minha mãe em São Paulo. Naquele ensolarado 24 de dezembro, eu me encontrava folheando algumas obras numa livraria da Barão de Itapetininga, quando esbarrei num senhor grisalho. Encaramo-nos, atônitos. Era o Chiquinho Bardot. Ele me abraçou, chorando convulsivamente. Fiquei surpreso com o reencontro, mas não conseguia entender a emoção exagerada daquele velho amigo.
Saímos dali e fomos até o Largo do Arouche, almoçar no Gato Que Ri. Depois de saborearmos uma delícia de ravioli, ainda ficamos conversando por muito tempo. Percebi o Chiquinho emocionado o tempo todo com a minha presença. Dava graças a todos os santos e orixás pelo encontro. De minha parte, continuava a não entender. Parecia até que eu era algum “avatar”, descido de alguma galáxia.

 

Imagem retirada do site: https://guiadaalma.com.br/

Num dado instante ele me fez uma revelação. Como paranormal, teve uma visão de uma de suas vidas passadas. A cena se passava em Jerusalém, na Idade Média, no tempo das Cruzadas. Nós éramos cavaleiros cristãos, lutando por tomar a Cidade Santa dos muçulmanos. A batalha nas muralhas foi sangrenta. Ele se lembrou de um momento em que, ferido e prostrado no chão, foi atacado por soldados muçulmanos. Com o risco da própria vida, consegui salvá-lo, mas fiquei com um dos braços mutilado e não sobrevivi aos ferimentos.
Chiquinho, não obstante os meus protestos, insistia, com lágrimas nos olhos, na ideia de que tinha aquela dívida comigo.
No final da tarde, quase noite, na expectativa do Natal em família, resolvemos ir para nossas casas. Com as ruas já praticamente desertas fomos caminhando pela Avenida São Luís, quando aconteceu o inesperado. A poucos metros da calçada houve um confronto entre policiais e marginais, com troca de tiros. Chiquinho lançou-me rapidamente no chão para proteger-me com seu corpo. Balas perdidas zuniram muito perto de onde estávamos, estilhaçando os vidros de uma agência de turismo. Os bandidos logo se entregaram aos policiais. Nós dois saímos ilesos.
Refeitos do susto, meu amigo, com a voz embargada, disse de seu alívio com o resgate de um compromisso de séculos. Agora poderia morrer em paz. Que exagero!
Dali nos separamos e nunca mais nos vimos. Soube, tempos depois, de sua morte na passagem daquele ano. Sua irmã o encontrou na cama, sem vida, logo pela manhã, com uma profunda expressão de paz no rosto.
E, tudo começou nas muralhas de Jerusalém…

Por Gilberto Silos

Sobre Gilberto Silos 225 Artigos
Gilberto Silos, natural de São José do Rio Pardo - SP, é autodidata, poeta e escritor. Participou de algumas antologias e foi colunista de alguns jornais de São José dos Campos, cidade onde reside. Comentarista da Rádio TV Imprensa. Ativista ambiental e em defesa dos direitos da criança e do idoso. Apaixonado por música, literatura, cinema e esoterismo. Tem filhas e netos. Já plantou muitas árvores, mas está devendo o livro.

1 Comentário

  1. Gilberto, amei a sua crônica e muito comovente. Muitas vezes encontramos pessoas e sentimos que já a conhecemos há muito tempo, talvez desde sempre, mas isso intuitivamente; agora quando a pessoa tem certeza por ser mais sensível e “enxerga” outras realidades, deve ser muito ok intenso e tenso.
    Abração!

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