The Walking Dead

 

The Walking Dead: aspectos sociais e históricos do mundo dos mortos-vivos (Recordando)

Por Rodolfo Salvador

Finalmente falarei sobre o aclamado quadrinho “The Walking Dead”, levei tempo para escrever sobre ele porque gostaria como tenho feitos nos demais textos, relacioná-lo com algo de caráter social e histórico me embasando em algo filosófico, pois bem, esse dia chegou.

Quando em 1968 o diretor George Romero lançou o filme “A noite dos mortos-vivos” ele lançou uma obra de terror que tinha como objetivo criticar alguns aspectos da sociedade norte americano, as cenas violentas protagonizadas pelos zumbis eram um reflexo em um espelho distorcido da própria sociedade americana, bestializada e banalizada pelo conforto do neoliberalismo. Pessoas dispostas a comerem umas as outras por um carro do ano, uma T.V nova, um novo emprego, etc.  Naquela época o EUA estavam vivendo internamente o ápice do seu “american way of life” e sua sociedade se encontrava alienada pelos confortos e “benefícios”  do próspero neoliberalismo globalizado que espalhava pelos rincões do mundo bombas e balas.

O século virou e os EUA teve sua economia fragilizada e novamente os zumbis voltaram a cena, dessa vez, pelo menos primeiramente no mundo das HQs. Mas dessa vez o contexto norte americano era bem diferente. Ao contrário dos anos 60, agora os vilões do quadrinho “The Walking Dead” não estavam mortos, muito pelo contrário, estavam vivos e dispostos a matar, qualquer outro ser vivo. Robert Kirkman autor do quadrinho, conseguiu de forma surpreendente fazer com que num mundo infestado por mortos-vivos, os ainda vivos fossem as piores criaturas.

Tal mudança de perspectiva se encaixa muito bem no panorama social e histórico dos EUA, toda a turbulência passada por eles no início desse século transformou o povo americano num povo refratário e mais uma vez bestializado. Todo o conforto e exuberância do ainda existente mais enfraquecido “american way of life” foi tragicamente abalado. Indo além, enganados pela velha história do inimigo externo (utilizado desde o império romano para manter a sociedade coesa) foi responsável por mandar milhares de jovens em sua maioria de origem pobre, para os mais longínquos cantos do mundo para combater os terroristas islâmicos. Esses voltaram mutilados tanto fisicamente quanto psicologicamente, para os que não foram, a perplexidade de descobrirem que a economia mais forte do mundo era tão suscetível a crises novamente (tal qual 1929) e ao mesmo tempo via aumentar no mundo um sentimento de antiamericanismo, rendeu internamente um amplo debate em torno dos motivos de tal guerra.

Logo “The Walking Dead” é contundente justamente por pegar essa sociedade traumatizada pelo novo século e lançá-la num mundo devastado e hostil, onde para sobreviver os personagens devem acima de tudo se defenderem dos vivos. É nesse panorama que surgem “governadores”, líderes, e uma gama enorme de personalidades que para protegerem a vida de seus grupos (o que inclui um pequeno vestígio da vida pré apocalipse) fazem de tudo, matam, saqueiam, sequestram, torturam, tudo em nome do bem coletivo.

Logo, os sobreviventes estabelecem uma forma social de organização onde todos os pecados passados são (para alguns personagens já que o grupo principal é até certo ponto o bastião da moralidade) reproduzidos em pequenas escalas cotidianas visando a própria sobrevivência.

Em suma, “The Walking Dead” é uma ótima HQ, devido a seu conteúdo político, social e filosófico implícito e outro fato que chama a atenção é a frieza com que Kirkman trata seus personagens, matando-os a qualquer momento, mostrando de forma bem realista o quanto a vida humana não vale nada, não importa se você é um bom pai, filho, esposa, médico, professor, etc., ao entrar no mundo dos mortos-vivos qualquer pessoa está sujeita a ser roubada por um grupo de sobreviventes, ou ser comido.  Como acontece em certo ponto da história quando o grupo principal liderado pelo policial Rick encontra um bando de canibais que explica sua opção pela carne humana, dizendo que antes do fim do mundo eles nunca tinham caçado e agora nesse novo mundo caçar era, além de difícil, pois os animais fogem fácil, perigoso devido aos zumbis. Logo, caçar humanos é mais fácil, basta enganá-los com a promessa de segurança.

Outros aspectos que chamam a atenção para o quadrinho além de seu excelente roteiro é a arte. Tony Moore, que desenhou o primeiro arco de histórias faz um trabalho magnífico contando com Cliff Rathburn para inserir os tons de cinza. Após esse primeiro arco Tony Moore foi substituído pelo desenhista Charlie Adlard, que em minha opinião tem uma arte inferior a de Tony, mesmo assim é um ótimo desenhista.

“The Walking Dead” pode ser considerado o melhor quadrinho dos últimos anos, o drama apresentado na revista faz o leitor se questionar moralmente em cada página, em cada diálogo e em cada situação.

Esse artigo saiu na Edição de Inverno de 2017 da Revista Entrementes. Confira abaixo:

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