Entrevista com Ney Gonçalves

Ney Gonçalves é poeta,  pesquisador e autor dos  livros  Valor e Crise” e  “Marxismo, Estado e Crise do Capital”. Conheci Ney  há alguns anos atrás através do poeta e professor Marcos Alves Lopes, autor dos livros “Gozo Desmedido” (poesia) e “Excreções do Ócio” (contos). O Ney, que mora em Santo Antônio de Goiás, promovia, volta e meia, um sarau em sua casa que fundia, de forma bastante informal,  conversas sobre literatura, arte e  política. Ele foi um dos entrevistados do meu blog (http://fetozine.blogspot.com/) e também escreveu uma crítica, ao meu pedido, para o MOLHO LIVRE ( http://molholivre.blogspot.com/ ), blog cultural que surgiu em Outubro de 2010).

Abaixo a entrevista e o seu texto, que contém nos blogs destacados acima.

ENTREVISTA COM NEY GONÇALVES

(Por Diego El Khouri)

Na primeira entrevista de 2014 começo com Ney Gonçalvez, autor dos livros “Valor e Crise”  e também  “Marxismo, Estado e  Crise do Capital”:

Em seu artigo Crises do Capital, publicado pela revista eletrônica Espaço Livre, você diz que “o capital , que foi um fator de progresso da humanidade,  e criou a base material da edificação de uma sociedade superior, se converte em um obstáculo para a continuação deste desenvolvimento no interesse da humanidade. Ao ter  esgotado sua missão histórica, surge objetivamente a necessidade de sua substituição. ” Como substituir algo tão presente e inserido em nossa sociedade extremamente consumidora?

A teoria econômica convencional nos ensina que o governo tem poder objetivo para controlar a economia capitalista mediante a adoção de políticas fiscais e monetárias kenesianas. Nos anos cinquenta e sessenta, a maioria dos economistas concediam a maior parte do mérito pelo auge do pós-guerra ao Estado e suas políticas kenesianas.

Porém, conforme este auge mudou paulatinamente para uma estagnação acompanhada de preços crescentes, quer dizer, por um prolongado período de estagflação, mais e mais economistas começaram a culpar o Estado. Depois de tudo, se o Estado era, em princípio, capaz de manter o auge e prevenir as quedas, o fato de que o sistema estivera naufragado na depressão era visto muito naturalmente como um erro do Estado.

E assim, grandes economistas se reuniram em múltiplas conferências em todo mundo para pensar sobre as soluções apropriadas para o problema, enquanto a situação continuava deteriorando.

Não obstante, as premissas fundamentais destes tipos de práticas estavam baseadas em um mito: o Estado e suas políticas kenesianas não foram à causa principal do auge do pós-guerra, com seus respectivos elevados níveis de emprego e de produtividade. Por essa mesma razão, o Estado não foi tal pouco a causa principal da atual crise. Pelo contrário, tanto o auge como a queda foram regulados pelo movimento da rentabilidade, e o comportamento básico destes movimentos é parte integrante do sistema.

Quando a rentabilidade era ainda elevada e a quantidade total do lucro crescia com rapidez, como nos anos cinquenta e sessenta, o Estado empurrava essa onda para cima, basicamente suavizando flutuações e reduzindo as tensões sociais derivadas da pobreza e de uma taxa de desemprego relativamente baixa. Os limites objetivos de sua habilidade para controlar realmente a economia nunca foram verdadeiramente postos à prova, devido que, as tendências básicas da economia eram sólidas e não ocorreram tentativas de mudanças reais.

Porém, desde o fim dos anos sessenta em diante, conforme surgiam às crises, o desemprego começava a aumentar e os salários reais e os lucros começavam a diminuir. Os limites reais e a intervenção econômica do Estado se tornaram cada vez mais claros na prática, na evidente incapacidade dos Estados capitalistas de todo mundo para reverter essa situação.

Ascendiam ao poder governos com promessas de mudar as coisas e caiam quando não conseguiam realizar. Enquanto isso, os economistas ortodoxos inventavam novas explicações e receitas a cada hora, as quais de imediatos se tornavam obsoletas. Nenhuma, desse intento, jamais enfrentou a possibilidade de que a falha se encontra no próprio sistema.

Uma vez que formulamos a mitologia do poder das políticas kenesianas, podemos ver a história real da intervenção do Estado sobre uma nova luz. Durante os anos cinquenta e os anos sessenta o Estado estimulou o auge da economia, tentando principalmente mantê-la em curso. Porém, conforme o sistema começava entrar em crise, os problemas do crescente desemprego e da decrescente rentabilidade se tornaram mais severos; o Estado se viu cada vez mais forçado a intervir para levantar a economia a fim de tratar de manter o nível de emprego e apoiar o sistema creditício.

O problema com tudo isso é que, se bem que o gasto do Estado, particularmente o gasto deficitário, é, em realidade, capaz de apoiar a utilização de capacidade. Isto, por si mesmo, faz muito pouco para mudar a taxa de lucro de capacidade normal. Entretanto, por outro lado, o sistema responde cada vez menos a qualquer nível de estímulo. De maneira crescente, os estímulos da demanda se traduzem em inflação. Por sua vez, a expansão real coloca na ordem do dia a estagflação.

Por outro lado, se abandona esta política devido as suas crescentes insuficiências (e na presença de déficit orçamentário), a inflação se mitiga só para ser substituído pelo problema do alto desemprego.

Isso não deve ser interpretado no sentido de que a situação seria melhor sem intervenção do Estado. Pelo contrário, ao apoiar o crédito, para resolver as falências e aumentar os pagamentos para os desempregados e as políticas de bem estar social, com essas medidas o Estado tem até agora evitado o colapso da acumulação. Em vez de um desastroso colapso ao estilo dos anos trinta, temos tido (até agora) a lenta morte da moderna estagflação.

Pese toda intervenção estatal, o colapso pode, todavia, chegar. Se os elementos conservadores são a maneira encontrada de cortar as redes da seguridade social e financeiras, um devastador colapso estará garantido. Os ideólogos conservadores viram corretamente que as políticas kenesianas geram a estagflação. Porém, como não são capazes de admitir, de maneira alguma, que a raiz do problema está no afã do capital pelo lucro, oferecem para a venda a fantasia de que o sistema regressará a uma trilha dourada uma vez que reduza o Estado. Sua medicina é uma receita para o desastre.

Uma crise não é só um período de grande sofrimento, mas também um período de grandes possibilidades. De uma forma ou outra, o sistema capitalista irá mudar. A estratégia do capital está, claramente, em colocar o peso da crise sobre as costas dos trabalhadores e de reestruturar com isso o sistema de modo a incrementar substancialmente a rentabilidade. Conforme a crise se aprofunda, se acentua as intenções de dividir a classe trabalhadora: de jogar o empregado contra o desempregado, os homens contra as mulheres, os negros contra os brancos.

Não temos porque nos submetermos a isso. Uma vez que nos damos conta de que o problema parte da natureza mesma do afã pelo lucro do capital, podemos ir mais além da defesa automática das receitas e políticas kenesianas liberais, mais além de nos apoiarmos na mitologia de um Estado todo poderoso que pode nos salvar de alguma forma da devastação de uma crise, ir mais além dos conceitos de lutas defensivas individuais ou locais.

É claro que, em muitas partes do mundo capitalista, a atual crise mundial é uma situação objetivamente revolucionária. Necessitamos levar a mensagem: ou lutamos pela possibilidade do socialismo ou nos submetemos às regras do capital. Este é, no fim das contas, um aspecto da luta de classe.

Quais as diferenças gritantes dos seus dois livros: Valor e Crise  e também  Marxismo, Estado e Crise do Capital?

A diferença entre os dois livros basicamente é que no primeiro o objeto de estudo está focado, especificamente na teoria da crise do capital. Trato de uma forma breve a lei do valor em Marx, algo que é de fundamental importância para se compreender  como  é essa lei que é a correia de transmissão que vai ordenar a aparente anarquia das relações de produção do capital ou de sua economia. No decorrer do livro adentro na análise da crise do capital, faço uma análise crítica minuciosa das crises nos clássicos burgueses e como sempre trazendo Marx para o debate. O livro traz um crítica as várias correntes marxistas sobre a crise do capital, as correntes subconsumista, da desproporcionalidade e tento provar que ao contrário que essas correntes apregoam Marx parte de perspectiva da crise não de visão externa mais interna do capital, ou seja, de sua própria lógica interna de movimento, da sua processualidade da acumulação do capital ele intensifica sua contradição entre o trabalho vivo e o trabalho morto que vai se manifestar no que Marx chama na lei tendencial da queda da taxa de lucro e esta chega a determinado nível leva ao capital a sua crise.

Na no segundo livro Marxismo, Estado e Crise do Capital (a sair) o enfoque sai de uma critica da crise e vai para como o Estado burguês atua historicamente como uma muleta fundamental no processo de intensificação da crise cada vez mais crônica do capital, como o Estado cumpre um papel de terapêutica dessa crise, no entanto como o Estado tem como uma característica de ser improdutiva nos seus investimentos e retira sua receita dos impostos e dos empréstimos procurou demostra neste livro como que o Estado nesta sua tentativa de salvar o capital de sua crise crônica, tem cada vez mais de retirar sua receita via imposta dos salários dos trabalhadores já que se este imposto for retirado do lucro do capital privado, para o capital isso terá um soma zero é retirar de uma mão e dar com a  outra, isso não contribuiria em nada para fomentar acumulação do capital nessa base redistributiva feita pelo Estado. Mediante isso demostrar nessa analise o porquê então que o capital privado exige que o Estado privatize as empresas que concorrem com ele em áreas de sua competência, e exige por outro lado que o investimento que o Estado faz na área improdutiva deste o ponto de vista do capital (educação, saúde, transporte público, previdência etc.), seja privatizado, sai da esfera pública para esfera privada, e por último como Indústria bélica é uma base fundamental para o capital em sua crise crônica como destruidora de força produtiva cotidiana para manter historicamente o capital dentro de um limite que não intensifique sua contradição entre suas forças produtivas e sua relação social de produção, ou seja, sua capacidade de extrai um trabalho excedente.

O artista plástico e ativista Eduardo marinho diz que “enquanto não houver estrutura partidária no país não haverá democracia”. Concorda? Por que?

Falar de democracia econômica no marco da propriedade privada dos maios de produção onde as decisões correspondem necessariamente à minoria possuidora é, no mínimo, um abuso de termos. Realmente, uma verdadeira democracia econômica só pode ser construída sobre a base da propriedade coletiva dos meios de produção, o que implica uma gestão da economia seguindo normas diferentes das da propriedade privada. Entretanto, a propriedade coletiva dos meios de produção evoca para muitos, pelo contrário, o espectro do autoritarismo, da repressão da democracia, da planificação centralizada e burocratizada onde a decisão imposta à população segue estando nas mãos de um punhado de administradores onipotentes e imóveis. E esta visão das coisas, é muito necessária reconhecê-la, se baseia na observação da realidade do conjunto dos países que se diziam socialistas que realizaram a expropriação do capital e instituíram a propriedade estatal. Por outro lado, em relação com esta triste realidade ela atuou como um repelente para milhões de trabalhadores com relação à ideia do socialismo, alguns até tentaram falar de uma “terceira via”, a do capitalismo civilizado, situando ele entre o capitalismo e o coletivismo autoritário e burocratizado dos países do Leste. Entretanto, a “terceira via” segue sendo uma variante da “primeira via”, a da propriedade privada, e esta submetidos a suas regras ainda que tenha, podido ser um impulso do movimento operário, o veículo de medidas que responderam as aspirações operarias em uma época deste agora já passada em que as condições econômicas gerais permitiam ainda certa liberdade na orientação política.

Como você vê essa geração sem utopias atreladas a conceitos impostos pela mídia e o sectarismo que há nos meios ditos “revolucionários” com esses manifestos e barulhos contra o governo presente?

Primeiro uma revolução não se faz negando pura e simplesmente a democracia representativa do voto burguês, um processo revolucionário para se dá no terreno histórico necessita de duas esquemáticas dialéticas fundamentais, a objetiva e a subjetiva, a objetiva esta dada, ou seja, a questão material, o nível criado pelo próprio capitalismo das forças produtivas esta em um estágio muito elevado e tem todas as condições para suprir toda população mundial em todos os sentidos com relação as suas necessidades materiais como: alimentação, vestimenta, saneamento básico, educação, moradia etc. e essa foi a grande missão histórica do capitalismo que era desenvolver as forças produtivas para se dar em quantidade e qualidade ideal essas condições materiais. Quando se chega a certo nível material as forças produtivas criadas pelas relações de produção do capital que é a produção voltada para o lucro entre em contradição com a possibilidade de produção deste lucro, quando se dar essa circunstância periodicamente o sistema entra em crise, essa crise nada mais é que um desequilíbrio do sistema entre a relação entre o trabalho necessário e o trabalho excedente, onde está situada a origem de toda crise do capital, ou seja, a impossibilidade de que com essa força material criada pela própria relação de produção do capital e dentro dessa relação à lei de acumulação do capital é que rege essa dinâmica do desenvolvimento das forças produtivo. O capital não consegue extrair um trabalho excedente suficiente da classe trabalhadora para que ele possa ter uma acumulação acelerada que possibilite o capital gerar sua autovalorização dentro do nível da força produtiva que ele criou, ou seja, dentro de certo nível de sua composição orgânica do capital. Não apenas produzir o capital, mais uma reprodução de uma forma ampliada, essa é a lógica do capital, o capital não produz para suprir as necessidades materiais do individuo mais só produz se essa produção lhe possibilita um lucro e que este lucro sege condizente com uma taxa de lucro com relação a sua massa de lucro e que por sua vez esses dois fatores esta relacionado com a composição orgânica e que estes três fatores contraditórios em si no movimento do capital possa gerar uma acumulação acelerada essa relação contraditória dessas três categorias que estão intimamente relacionadas que vai culminar na lei da tendência da queda da taxa de lucro (esta lei é segundo Marx a lei mais importante dentro do ponto de vista histórico), quando esta rentabilidade não possibilita essa acumulação devido à forma contraditória que se da à lei de acumulação do capital o sistema entre em crise, e em cada crise que ele sai à próxima é mais forte, poderosa, por intensificar a contradição entre o trabalho necessário que se torna historicamente mais reduzido e o trabalho excedente, até que é chegado o momento histórico que ele entra em uma crise do modo de produção ou uma crise permanente que ele passa, então a necessitar de muletas externa a ele para manter-se como modo de produção prevalecente, ou seja, como modo de produção capitalista com sua relação de exploração característica e especifica que é a relação entre o capital e o trabalho assalariado que é sua especificidade histórica e como tal relativa. Chegado nesse limiar neste limite entre as forças produtivas e as suas relações de produção se dá uma viragem histórica, ele deixa de ser um modo de produção que desenvolve as forças produtivas e passar a criar um mecanismo de destruir essas forças produtivas para que ele possa se manter dentro de um limite dialético que não lhe ofereça um risco para sua autodestruição como modo de produção, um desses mecanismos dissipadores de forças produtivas e a criação das indústrias bélicas um departamento de produção completamente improdutivo, bem como também indústria do entretenimento etc. e a muleta e a terapêutica fundamental para isso é o Estado capitalista. Logo as bases matérias esta dada para uma nova sociedade, a crise esta estalada só que o sistema não vai cair por uma crise econômica se a questão subjetiva não se de, que é a organização das massas oprimidas com uma consciência de classe de si organizada para destruir essas relação de produção e exploração decadente do capital, e instituir uma nova relação social de produção gerida de acordo com os anseios da sociedade. Como vimos o capital vai tendo sobre vividas de destruição sustenta pelo seu Estado. Então, o voto nulo não é puro e simplesmente negar o sistema eleitoral burguês, mais sim, elevar o debate para as massas, que existe outras forma de luta politica e não só essa via que tem como limite o capital, e todas suas consequências danosas para a humanidade que é a manutenção de sua relação social de produção acarreta, que esta democracia representativa do voto burguês só reforça essa dominação do capital, mais que existe outra forma de luta politica revolucionaria, que essa sim é a única guerra justificável dentro do ponto de vista histórico, pois, é a única que leva a emancipação da humanidade.

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Fala  que quiser. O espaço aqui é livre.

Esperar que no futuro todas as lutas fossem menos violentas e que se desenvolvam métodos pacíficos de produção e distribuição. Existe um abismo entre esta forma de ver as coisas e o princípio geral que domina no Manifesto do partido comunista: “A história de todas as sociedades que existiu até agora é uma história das lutas de classes”. Aqui não se considera a luta de classe como um mal, mas sim, como uma força dinâmica, como o motor da história. Ao combater pelos seus direitos com as classes dominantes, a classe explorada e oprimida cria uma nova situação histórica. Arranca das classes dominantes novos direitos e toda sociedade eleva-se por este meio a um nível superior. Nesta concepção, a luta de classe não termina com a abolição do feudalismo por parte da burguesia, mas, que são inerentes as relações mesmas entre a burguesia e a classe trabalhadora. Segundo Marx, o processo histórico, longe de se fazer mais pacífico a medida que avança o progresso, se faz mas violenta com o desenvolvimento do capitalismo e os conflitos de classe e se transforma no instrumento decisivo da transição do capitalismo para o coletivismo.

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UMA CRÍTICA A CONCEPÇÃO MARXISTA DA ARTE REALISTA

Por: Ney Gonçalves

Durante décadas se tem pretendido criar a ideia de que o marxismo e o realismo na arte eram quase sinônimos: o primeiro se identificaria quase totalmente com o segundo, e este expressaria aquele em termos quase políticos. O resto dos movimentos artísticos não seria outra coisa que expressões “decadentes”, manifestações culturais da burguesia em sua etapa de decomposição. A atitude de severa crítica diante de tudo o que não seja realismo tem sido a característica da crítica denominada marxista que, inclusive, afirma que a insistência dos modernistas e pós-modernistas na alienação como fenômeno representativo do século XX não constituiria mais do que um desvio ou um escapismo, ao carecer de uma perspectiva revolucionaria que os localize em um contexto otimista da vida.

Não é somente isso: o realismo do século XIX aparece como a receita mágica para a arte moderna. Se bem que foi o húngaro Georg Lukács quem mais longe chegou por esse caminho, o realismo é, ao fim e a cabo, o tributo que pagam todos os estudiosos ao acercar-se das análises marxista da arte.
Ninguém pode negar de que Marx e Engels tinham grande simpatia pelo realismo, mas a partir daí dizer que eles fundaram uma estética materialista a partir desse movimento artístico – atenção que, aliás, os criadores do socialismo científico nunca deram- há uma distância muito grande.
Balzac, em particular, foi um dos escritores que mais mereceu sua atenção. Marx declarou que adquiriu mais conhecimento da história moderna da França em seus romances do que em todos os livros de história de sua época.
A partir daí, o selo realista foi imposto à pretensa estética materialista. Mas o que podemos entende por realismo? Variáveis e até mesmo contraditórias são suas definições e somente o posterior esquematismo poderia atribuir a seus cultuadores o apelido de exclusivamente progressista ou revolucionário, ou seja, os realistas foram e seriam os quase únicos amigos da revolução social, e sua arte, expressão disso.
Como é bem sabido, Balzac – o exemplo clássico – não era nem amigo nem porta-voz das classes trabalhadoras, defendia ideologicamente a monarquia que era aquela classe que desafiava a já forte burguesia. Enquanto isso, Paul Verlaine e Artur Rimbaud – expoentes simbolistas – tornaram-se oficiais da Comuna de Paris em 1871, o antecedente histórico da revolução bolchevique.
Como se pode ver pertencer a um movimento particular não atribui o caráter político aos artistas: havia monarquistas como Balzac e revolucionários como Courbet (ele também participou da Comuna de Paris); futuristas de um e outro signo e surrealistas (uma tendência que em algum momento veio a ser identificada como comunista) como Salvador Dalí, que apoiou o regime clericalista franquista.
A história da arte é atormentada por essas supostas contradições entre artistas revolucionários e politicamente conservadores ou vice-versa.
Mas, se compreende, quando procuramos descobrir o que é entendido pelo realismo não falando das inclinações de um ou outro artista, mas do movimento, da corrente, mas será um fato valioso considerar que destes podem sair solidariedades para fins muito opostos.
Então, o que significa realismo? Os movimentos do século XX não são realistas? Só podem reivindicar apenas certas tendências?
Muito possivelmente, estas são as principais questões que a crítica marxista deve levantar questões que também exigem outras respostas e às quais tentarei responder.
Critérios

Para Marx e Engels, havia quatro critérios essenciais do realismo: a) Tipicidade. Eles tinham que apresentar personagens representativos e situações típicas, b) Individualidade. Os personagens tinham de ser representativos das diferentes classes e apresentar-se com qualidades distintivas, únicas e individuais. c) construção orgânica da trama. “A tendência política deve surgir da situação e da própria ação, sem referência explícita a ela” (1). Ele aconselhou Engels em uma carta ao escritor Minna Kautsky que “quanto mais escondidos os pontos de vista do autor, melhor para o trabalho” (2); em sua correspondência com Lasalle, o camarada de Marx reclamou da literatura “em que os personagens anunciam ou proclamam suas ideias e sentimentos, em vez de manifestá-los através da ação e do comportamento de maneira natural” (3); d) a apresentação dos homens como sujeitos e objetos da história. Engels era amargo quando em um texto os trabalhadores apareciam dóceis e submissos, ele se interessava sobremaneira em mostrar uma classe lutadora, pujante, porque nela residia, sem mais, o destino da humanidade (4).
Os seres humanos, sujeitos e objetos da história, não podiam ser concebidos como o homem no centro da atenção e da representação artísticas, o homem não em relação a si mesmo, mas em relação direta com a sociedade.
A simpatia pelo realismo não era casual; partiu da função que atribuíam à arte: desmascarar a realidade, mostrando-a como esta é por trás dos véus ideológicos.
No entanto, não podemos ignorar que, igualmente, os pais do marxismo louvaram como as maiores manifestações artísticas da história, a arte grega e da Renascença e, como sabemos, ambas surgiram de circunstâncias muito precisas.
O cinquecento   renascentista, com Rafael, Leonardo, Michelangelo e era uma arte aristocrática e refinada, totalmente dependente de seus patronos: a Igreja em primeiro lugar e algumas famílias de banqueiros. Poderiam as madonas rafaelistas e os santos de Michelangelo expressar mais do que os interesses da Igreja? Os escultores gregos da Idade de Ouro, eles revelaram uma das democracias mais antidemocráticas que existiam no mundo, baseadas na escravidão?
Quando Lunarcharsky fica desanimado diante Renoir, ele não lhe pede para pintar mais do que felicidade, e embora se entenda que o impressionismo produziu avanços notáveis na descoberta da realidade, à medida que se aproxima do dinamismo da própria vida e de suas condições mutáveis. Pode-se admitir que tal “felicidade” seja um reflexo apurado, se se levar em conta que nas últimas duas décadas do século passado já se apresentavam as condições que anos mais tarde gerariam a guerra Inter imperialista (5).
Como se observará, então, o desmascaramento da realidade não é a única missão atribuída à arte pelos marxistas; quando um gozo para com um Michelangelo ou para o Parthenon, a influência dessa qualidade é neutralizada pela evocação estética.
Lunacharski já aconselhava a crítica não só para contextualizar sociologicamente, mas também para julgar a arte “por suas próprias leis” (6).
Quando a premissa básica era contrabalançar a teoria da arte pela arte, e todo o sotaque deveria ser colocado ali, o realismo parecia vigoroso e como o instrumento mais apto para conhecer a realidade, para demonstrar que a arte não podia ignorar o que ocorria ao seu redor, mas é bom esclarecer que isso aconteceu no início do século XIX, quando as lágrimas românticas ainda não tinham diminuído, os mecanicistas dominavam o materialismo, o idealismo a dialética e o socialismo eram pura utopia.
Para justificar sua validade em nosso tempo, Lukács é forçado a exagerar as diferenças entre naturalismo e realismo, atribuindo ao primeiro à captura do superficial, do aparente e do segundo, o essencial da realidade (7).
Como separar tão nitidamente o superficial do essencial é algo que não podemos explicar, porque ambos não são opostos, são pares dialéticos e até a espuma é o essencial. O superficial é entendido pelo essencial e isso é reconhecido no primeiro.
Não pode ser dito, por outro lado, que importantes naturalistas como Cimabue, Giotto ou os próprios góticos capturaram o aparente: pelo contrário, eles eram uma fonte de conhecimento que permitia aos Quatrocentistas o subsequente domínio da forma externa do homem e da natureza.
Assim, para entender o essencial, o superficial é necessário. Também apreciamos a cerveja por sua espuma, porque ela faz parte de sua essência em um estado diferente.
Ticiano, ao contrário de Michelangelo, construiu suas figuras de fora para dentro, isto é, capturou em primeira instância a forma externa, a aparente, é isto um demérito, a julgar pelos resultados? A Renascença dos Países Baixos não conhecia as leis científicas sobre perspectiva ou proporção geométrica e ainda assim sua abordagem ao homem era tão precisa que às vezes não podemos distinguir um relevo de uma pintura. O detalhe de um Van der Wayden, ou os rostos camponeses de Van der Gooes não são superficiais. Eles partem dos personagens visuais à primeira vista para chegar à psicologia dos personagens. E, no entanto, eles são naturalistas …
Ninguém pode negar que, com seus afrescos, assim como os de Rafael e muitos outros, podemos aprender e saber muito sobre a vida daqueles dias, mas não é uma visão desinteressada. “El divino”, que gostava de ser chamado simplesmente de Michelangelo para secar, não só recebia encomendas, mas também ordens da Igreja, sua pintura, sua escultura refletia os desejos ou desejos de seus patronos, já no estágio elegíaco ou fatalista.
Arnold Hauser narra que no “Cinquecento” a cúria se assemelhava à corte de um imperador e às casas dos cardeais, a pequenas cortes principescas, eles gostam de arte e dão trabalho aos artistas para imortalizar seus próprios nomes; “Com cada Igreja, cada capela, cada imagem, os papas parecem ter desejado erigir um monumento para si mesmos e ter pensado em sua própria glória, e não na de Deus” (8). A tutela eclesiástica foi imposta com todo rigor.
A realidade apresentada, como se vê, é apenas uma parte dela, é aquela que corresponde às ambições das classes dominantes. Nos artistas da época não há mais que isso, mas são quase suficientes para inferir o movimento de toda a sociedade, mesmo que não seja pelas omissões manifestas. Assim, a arte pode ser entendida como um todo ou como parte dela, mas em si mesma total e generalizada. Se, como define Lukács, a arte é a autoconsciência da evolução da humanidade (9), a evolução não é linear, mas atormentada por contradições, marchas e contramarchas, e essa autoconsciência, apenas um processo de aproximação.
Mas essa definição é limitada: arte não é apenas conhecimento, informação ou reflexo, se você quiser, é também interpretação e evocação.
Podemos nos emocionar diante de um Rubens, um Rembrandt, mas o barroco foi um dos movimentos mais pautados que existiram na história.
A Contrarreforma ordenou que os novos santos, mártires, as virtudes que deveriam ser destacadas (batismo, virgindade), neutralizassem precisamente as influências de Lutero. Ela descreveu exatamente o que os artistas devem pintar, o Concílio de Trento passou quase trinta anos discutindo parte dele … e ainda assim apreciamos um Murillo ou um Velázquez.
Na Idade Média, as artes plásticas tiveram um grande desenvolvimento e se tornaram a arte predominante por excelência, com o único efeito de que a Igreja pudesse invadir e conquistar as consciências dos camponeses analfabetos.
Aqueles que acreditam que durante a arte renascentista ela era apartada da Igreja estão errados. Ela era tão religiosa quanto seus patronos queriam (10); os nus – o exemplo que sempre é levado a tentar demonstrar sua irreligiosidade – no início foram mal vistos, mas depois, rapidamente assimilados. Sim, eles foram uma conquista artística, mas rapidamente se adaptaram às necessidades religiosas.
Enquanto Michelangelo não pode ser processado por suas próprias ideias, deve ser mencionado que “o divino” acreditava que as artes derivavam de ideias inatas colocadas por Deus no homem, uma teoria que será desenvolvida mais tarde no maneirismo.
Então, o que estamos desmascarando e estamos falando? Enquanto algo é revelado, algo está oculto, de modo que esta função é relativa e dependerá dos interesses sociais representados pelo artista.
Agora, há situações em que, apesar do artista e de sua ideologia, a verdade é levantada contra eles mesmos, a verdade se revolta e acaba se impondo. Em um artista, essa irrupção é quase irreprimível. Goya, por exemplo, era um pintor da corte, mas através de seus retratos expressava todo o desprezo por ela.
“O realismo de que falo”, diz Engels, referindo-se a Balzac, “também pode se manifestar apesar das ideias do autor” (11).
Mas, como pode ser visto abaixo, as visões sobre a arte não são coincidentes entre os marxistas.
Leon Trotsky criticou vividamente aqueles que reduziram a Divina Comédia de Dante a um documento histórico.
“Colocar o problema dessa maneira é apagar a Divina Comédia do campo da arte. Se digo que o valor deste trabalho é que ele me ajuda a entender a mentalidade de certas classes em um determinado momento, eu o transformo em um documento histórico, pois, como uma obra de arte, a Divina Comédia dirige-se ao meu próprio espírito aos meus próprios sentimentos e deve dizer-lhes alguma coisa “(12).
Em seguida, o criador dos estados do Exército Vermelho que aborda a Dante a partir do ponto de vista histórico, é perfeitamente legítimo e necessário e que ajuda a nossa reação estética para o trabalho “mas não pode substituir uma coisa por outra” (13) . Mais tarde, e para ser conclusivo, o revolucionário russo recomenda: “A arte e a política não podem ser abordadas da mesma maneira. A arte tem suas regras e métodos, suas próprias leis de desenvolvimento e, acima de tudo, porque na criação artística processos subconscientes desempenhar um papel importante e esses processos são mais lentos, mais indolente, mais difícil de controlar e gerenciar, precisamente porque é subconsciente “(14).
Este parágrafo refuta a unilateralidade das críticas e separa bem o joio do trigo. Essa clareza pode ser se considerarmos que a proposta “não é criar uma nova cultura no sistema capitalista, mas derrubar o capitalismo para criar uma nova cultura … embora, é claro, possam existir obras artísticas que contribuam para o desenvolvimento revolucionário …”
Deste ponto de vista, uma das teses fundamentais de Lunacharski sobre a crítica marxista é errônea: “tudo o que ajuda o desenvolvimento e a vitória do proletariado é bom, tudo o que o prejudica é ruim” (15). A contradição grosseira de quem afirmava que a arte tinha suas próprias leis é de um simplismo que não ajudava em nada a entender a relação entre arte e política. Trotsky, enquanto isso, reiterou que a arte e a política não podem ser tratadas da mesma maneira, não se equiparando a elas.
Uma primeira conclusão, então, não é julgar um trabalho artístico baseado unicamente em sua suposta revelação da realidade, uma vez que essa tarefa não é obedecida – na prática – de maneira desinteressada, mas depende dos interesses sociais e políticos representados pela realidade do artista e como elas o influenciam, especificamente, em um determinado período.
A realidade

A realidade não pode senão ser entendida como um conceito dialético. Se partirmos da sua capacidade de conhecimento, dissemos que a arte é uma fonte de conhecimento. Mas essa realidade é multifacetada, mutável, dinâmica, distante, dialética, portanto, seu reflexo não pode ser outra coisa.
Como Brecht diria, “nada impede que os realistas Cervantes e Swift vejam os cavaleiros e lutarem com moinhos de vento e os cavalos para fundar seu próprio estado” (16) … nem o próprio Brecht imagina tubarões em um mar de cultura.
Como Hauser explica, a arte é rigorosamente realista porque nunca se separa da experiência prática ou do conhecimento teórico, embora isso não signifique que não haja discrepâncias entre a visão artística e a realidade empírica.
Todo fantástico ou absurdo que a criação artística pode conter tem sua origem na própria realidade, no mundo da experiência. A ficção emerge do real, enquanto também o que era inicialmente irreal, então se tornou seu oposto.
“Apesar de quanta fantasia e extravagância entram por suas portas, a arte está tão inextricavelmente ligada à realidade quanto à ciência, embora de uma maneira diferente. Suas criações são sempre baseadas nos fundamentos da realidade, embora às vezes sigam um plano que lhe é estranho “(18).
A mitologia grega – a base da arte correspondente tão admirada por Marx – tinha mil laços com a realidade, magia, ritual, mito, realidade, que dá mais …
Todos esses termos interagem uns com os outros, por isso é inútil distinguir o que é real e o que não é. A própria imaginação baseia-se em fatos existentes como base ou que logo existirão. Os processos inconscientes, eles não são parte de uma personalidade? Os fenômenos conscientes não agem uns sobre os outros com o inconsciente?
Essas formulações servem, é claro, se concordarmos que a arte é fundamentalmente mimese, reprodução da realidade, reflexo, mas também que a obra de arte cria formas específicas de reflexo da realidade, ao existir já constitui uma realidade própria.
Os futuristas russos acrescentaram que a arte não é um espelho, mas um martelo. Não reflete forma. Mas Trotsky respondeu: a partir de um espelho, ela só poderia ser falado de maneira relativamente relativa, porque ninguém pode exigir tal grau de objetividade que ele reflita como um espelho (19).
E isso é muito importante ser valorizado, já que dependerá dele para estender em mais ou menos o tão mencionado conceito de realidade.
Como se sabe, na arte coexiste dois termos: objetividade e subjetividade, sendo o segundo quase sempre predominante pela direção e característica artística.
Mas, embora seja visto, ambos os termos não são antagônicos: a subjetividade não é feita do nada, embora nada possa ser subjetivo: tem seu cordão umbilical com o objetivo, embora não seja a mesma coisa, é um e não um. .
Além disso, é até mesmo possível  que exista independentemente de nós, um fato objetivo, também seja forjado por nós mesmos, é claro, não no uso de nossa plena consciência e vontade.
Eles não sabem disso, mas o fazem ”, disse Marx há muitos anos (20).
De sua parte, Lênin escreve: há uma diferença entre o subjetivo e o objetivo, mas essa diferença tem seus limites e, citando Hegel, “é errado considerar a subjetividade e a objetividade como uma oposição rígida e abstrata. Ambos são resolutamente dialéticos “(21).
Somente quando entendemos completamente essa relação é que podemos dizer que a arte não é mero reflexo: o artista seleciona, escolhe, interpreta, não nos dá a realidade de forma grosseira, mas conhecida por suas próprias experiências, suas ideias, seus interesses, suas formas, o objetivo e o subjetivo fundem-se nele.
A mera reprodução, assim como o objetivo, como o único termo é antiartístico. Verifique a diferença, então, entre a fotografia comum e a artística.
Agora, quando afirmo que a arte é mais que mero reflexo, que o artista escolhe, interpreta, é porque ele também toma partido em favor ou contra algo.
Nesse sentido, Emst Fischer está certo quando indica que o que caracteriza a relação artística com o mundo não é um reflexo passivo, mas uma intervenção ativa do objeto que deve ser representado, um ato de fusão, transformação, identificação ( 22).
Para o artista, em suma, a realidade é mais complexa, mais ambígua: “não apenas o mundo que existe independentemente de nós, mas também as associações produzidas por nossas fantasias” (23).
Seguindo Fischer nesse aspecto, a opção pelo artista reconhece uma hierarquia do real e é aí que ele é forçado a tomar partido por algo ou contra algo (24).
Forma-Conteúdo

Os rios de tinta que foram gastos nesta controvérsia são incalculáveis, especialmente desde o surgimento da “l’art pour l’art” e sua reivindicação pela arte da autonomia absoluta.
Os eixos do debate começaram por tentar estabelecer a primazia de um termo sobre o outro, a determinação da forma pelo conteúdo, em uma palavra, qual é o  que importa.
Começaremos indicando que forma e conteúdo são duas coisas muito distintas, mas concebíveis apenas em relação mútua: não há obra de arte que seja uma forma ou outra que seja mero conteúdo.
Para Lukács, existe uma unidade dialética, mas o conteúdo determina a forma como uma forma de determinada matéria e reconhece na matéria sua condição de portadora imediata da evocação estética (25); a expressão artística é inseparável do conteúdo estético.
Lunacharski sugere ao crítico marxista que tome em primeiro lugar “como objeto de sua análise” o conteúdo do trabalho, porque “determina totalmente a forma” (26).
O próprio Plekhanov – de quem os dois autores acima mencionados finalmente adotam seus pontos de vista – afirmou que “qualquer invasão de ideias ou propaganda desnudas sempre diminui o trabalho” (27).
A forma aparece assim como uma concha, como um aspecto que teria apenas o propósito de cobrir o importante (o conteúdo) para que possa ser apreciado; como vestido da ideia ou propaganda, portanto, acessório. Mas, leia bem, acessório em termos de conteúdo, não em si, porque em relação a isso – antecipando em anos o conceito de publicidade capitalista – a embalagem é essencial para vender o produto.
Em sentido contrário, Gustave Flaubert queria escrever um livro sem assunto ou conteúdo, que era pura forma. Schiller alegou que a matéria foi aniquilada pela forma.
Flaubert, para muitos o verdadeiro pai do realismo, sentenciava: não há problemas nem bons nem maus, todos podem ser um e outro, porque dependem exclusivamente do seu tratamento. Na mesma direção, escritores como Mario Vargas Llosa concluem que o romance é forma.
Por sua vez, David Caute considera que a estética marxista não distinguiu suficientemente entre o “tema” histórico e social de uma obra e seu “conteúdo”. O conteúdo não é apenas o assunto corretamente interpretado e dotado de uma expressão formal atraente, é o tema que media a forma artística utilizada e é mediada por ela. Caute continua: entendemos esse fato quando deixamos de identificar o conteúdo com a representação mimética do tema (28).
Segundo Hauser, a maneira pela qual um artista diz que algo constitui parte integrante do que ele tem a dizer e, portanto, a inseparabilidade de ambos os termos é claramente observada (29).
É verdade, então, que em toda obra de arte, forma e conteúdo elas devem se encontrar, se fundir, sem finalmente serem capazes de distinguir entre um elemento formal ou conteúdo.
Fischer percebe que em nosso tempo essa unidade parece frequentemente perturbada. No mundo burguês, formas desprovidas de conteúdo passaram a ser constituídas e, no mundo do trabalho, novos conteúdos foram incriminados em formas envelhecidas (30). Desta forma, forma e conteúdo podem não coincidir, o que afetará seriamente o resultado da criação artística. No entanto, é precipitado condenar um trabalho formal.
Às vezes, o único caminho é o conteúdo. Quando um artista inova na técnica artística sua proposta será ela, sua “mensagem” será a nova forma que, por sua vez, é um novo conteúdo.
Isso nos leva a um segundo problema: a mudança de conteúdo varia a forma, um novo conceito de dever, honra ou moralidade pode variar a forma do drama, por exemplo. Além disso, as mudanças dos gêneros, historicamente, foram motivadas por novos conteúdos: o épico, a tragédia, o drama, o romance. Cada um desses gêneros veio para capturar ideias inovadoras na respectiva sociedade.
Na arte plástica, por exemplo, a perspectiva, a seção áurea e o sistema de proporções renascentistas correspondem ao pretenso controle da natureza pelo homem. O conteúdo cientificista da concepção humana do “Quatrocento” impôs suas formas: simetria, proporção, preocupação pelo espaço e composição para ordenar o aparente caos.
As figuras humanas do “Cinquecento” eram imponentes e majestosas, precisamente para ratificar plasticamente esse domínio sobre a natureza, mas Deus ainda estava lá.
Com o maneirismo, essa forma seria modificada. A figura humana está perdida em uma pintura, eles são praticamente formigas, o espaço não é único, é fragmentado, a perspectiva é usada, mas não como o Renascimento, para se aproximar da realidade externa, mas para fugir dela, é por isso que as diagonais são cortadas ou ocultas, a figura é deformada, alongando-a e é possível que ela não seja mais representada inteiramente.
Sucede o Worringer chama de “vontade de formar” . Isto é, o artista não representa de uma maneira ou de outra a forma por ignorância ou incapacidade, mas por vontade. Mas essa vontade não é livre, é determinada.
No século XVI ocorreu uma profunda crise que incluiu diferentes aspectos: o “sacco” de Roma, sua invasão pela Espanha e França, a falência de poderosos banqueiros e, portanto, a perda de numerosos patronos; a reforma luterana, as descobertas copernicanas que mostram que a terra não é o eixo do sistema, mas apenas mais um planeta e que, portanto, o homem não poderia ser, como antes, o rei do universo.
A pequenez humana é imediatamente refletida na arte plástica, tenta escapar dessa realidade, afastar a arte dela, mas, dessa maneira, criar uma realidade nova e própria.
As novas formas correspondem a um novo conteúdo.
Juan Acha tem a virtude de esclarecer que a forma e o conteúdo são produtos sociais (31), e isso é o que temos visto até agora . Isto é, eles emergiram da história como fenômenos da luta do homem.
Portanto, também a forma pode originar um novo conteúdo, o que acontece quando o forma é o próprio  conteúdo . E isso não é censurável, desde que não se trata de reduzir a criação artística a um certo modelo de realismo.
Como Acha acrescenta, a arte não é apenas uma expressão, antes de tudo, implica o domínio dos meios de expressão (32).
A forma é, ao mesmo tempo, expressão e meio de expressão e é essa expressão e meio de expressão do novo conteúdo. Em outras palavras, Antônio Gramsci a formula da seguinte maneira: o primeiro conteúdo que não satisfaz era também a forma e, quando a forma satisfatória é alcançada, o conteúdo também muda (33).
Um exemplo a ter em conta é o biomorfismo que se funde com a forma. O conteúdo das obras de Arp e Brancussi é o apego à natureza porque suas formas nos dão a conhecer as formas naturais. A forma procura conhecer as formas: expressão, meio, conteúdo e forma.
Outro aspecto controverso dessa relação de forma-conteúdo é sua exclusividade.
Lukács e outros autores modernos consideram que uma forma corresponde a um conteúdo. Mas esse não é o caso: a expressão e a recepção do mesmo conteúdo variam de arte para arte, de tendência para tendência, de trabalho para trabalho, de indivíduo para indivíduo. Em outras palavras, um conteúdo pode ter formas muito variadas e uma forma pode envolver diferentes conteúdos.
Se si pensa que o protesto contra a ordem estabelecida teve centenas de expressões diferentes ao longo dos anos … sendo mais específico: A reação contra a Primeira Guerra Mundial, artisticamente falando, manifestou-se no dadaísmo, no expressionismo, no cubismo e no surrealismo.
Diferentes formas para o mesmo conteúdo. Além disso, o expressionismo, como forma particular, como atitude expressa como atitude, também expressava diferentes conteúdos ideológicos. O abstracionismo também é um exemplo disso.
Por outro lado é característica desde século a união de formas diferentes para formar uma nova, como a chamada nova imagem ou nova figuração.
Em resumo, é interessante sublinhar que forma-conteúdo não é mais do que outros dos pares dialéticos, bem como a objetividade-subjetividade, teoria e prática; que eles são inseparáveis e que não podem imaginá-los isolados uns dos outros, que eles interajam entre si e que, assim como um novo conteúdo pode transformar a forma e originar uma nova, ela também pode produzir um conteúdo diferente.
As formas são conteúdo, em sua percepção, os inícios da formação de conceitos são dados (34).
Por todas estas razões, em uma obra de arte, a primazia de nenhum dos dois pares não pode ser estabelecida. Ambos precisam um do outro, embora seja sobre coisas muito diferentes e eles não são os mesmos.
O  crítico marxista deve partir da arte em sua totalidade e, embora  seja formada a partir das partes, isso é mais do que a soma de todas elas. É apropriado atender à sua correspondência.

NOTAS:
(1) Marx-Engels, “Escritos sobre arte”. 
(2) Ibidem. Página 136
(3) Ibidem. Página 145.
(4) Ibidem. Página 136
(5) Anatoli Lunacharski, “Sobre Literatura e Arte”. Página 315.
(6) Ibidem. Página 14.
(7) Georg Lukács, “Estética”. Volume 2. Capítulo 1.
(8) Arnold Hauser, “História Social da Literatura e da Arte”. Volume 1, Página 428.
(9) Georg Lukács, “Estética”. Volume 2. Página 295.
(10) A. Hauser, Ibidem. Volume 2. Página 337.
(11) Marx-Engels, “Escritos sobre arte”. 

(12) Leon Trostky, “Literatura e revolução” ‘. Página 167
(13) Ibidem. Página 169
(14) Ibidem. Página 174.
(15) A. Lunacharski, “Ibidem. Página 16.
(16) Citado por A. Hauser. Volume 1. Sociologia da Arte. Página 18.
(17) Ibidem. Volume 1. Página 17.
(18) Ibidem. Página 18.
(19) Leon Trotsky, “Literatura e revolução”. Página 64
(20) Karl Marx, O Capital Tomo 1, Página 88.
(21) Vladimir Lenin, “Cadernos Filosóficos”. Página 31, 18 e 104.
(22) Lukács, Fischer e outros, “Controvérsia sobre o realismo”. Páginas 105 e 106.
(23) Ibidem. Página 105-106.
(24) Ibidem. Página 105.
(25) Georg Lukács, “Estética”. Volume 2. Página 326.
(26) Anatoli Lunacharski, Ibidem Página 14.
(27) Ibidem. Página 18.
(28) E. Lunn, “marxismo e modernismo”. Página 39-40.
(29) Hauser, “Sociologia da arte”. Volume 3, Página 506.
(30) Lukács, Fischer e outros, “Controvérsia sobre o realismo”, página 104.
(31) Juan Acha, “Arte e sociedade latino-americana. O sistema de produção “Páginas 78 a 107.
(32) Ibidem. Página 34
(33) Gramsci, “Cultura e literatura”. Página 184.
(34) R. Arnheim. Citado por Acha. Ibidem. Página 302.

2019

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