homo poeticus ou… então é isso, o juízo final?

Faz tempo que nada publico aqui. Embora todo esse tempo tenha pensado e desejado publicar, sentia um estranhamento, um vazio. E, assim, me impus, com crítica, um estado de espírito explicativo: desmotivação. Agora, enquanto escrevo, meio sem eira nem beira, vou descortinando… sentia uma quase rejeição … ?

O sentimento era bem próximo ao de uma rejeição. Nada me animou, durante um bom tempo,  a tecer um comentário, muito menos algum discurso sobretudo desses tão recorrentes em nossos dias, cada um de uma bandeira, dos “ismos” às cores,  gêneros e antigêneros e supragêneros… como se uma epidemia social impusesse a ilusão de ‘eu sou’ ou eu ‘não sou’,ou, pior,  “devo ser ou não ser”, enquanto obviamente vivemos estertores de tudo, um desmanche da essência do humano, um isolamento em bolhas de de poucos para os mesmos poucos, ou de si para si, que nos impõem acreditarmos que urge qualquer forma de luta…. Mas não vejo, nem um ligeiro sinal, da luta efetiva de, todos, juntos, enfrentarmos o que tem nos matado cínica e claramente, matado nossa cultura, nosso povo, nossa terra.

Creiam, já não me incomoda ser triste. Já não me importo com o estágio a que chegamos, a que o mundo chegou. Já não absorvo o veneno do jogo ignóbil e desqualificado do poder.

Em um poema, traduzo um pouco esse estado: já não desejo construir cidades, algo assim.  Isto tudo pode ter sido o que me impôs um distanciamento,  um não desejo, a negação, na verdade,  de dizer qualquer coisa,  e de ver jornais, notícias, tudo. Tudo o que não fosse arte.

No entanto, sou obsessiva em não sucumbir e não admitir que um ser ( dá para entender, certo?) sucumba. Bem possível que isso tenha me transmutado, eu, tão tardígrada, tão lenta, tão auto crítica…  E o.milagre se fez: publiquei dois livros de poesia em um ano e sete meses, e publicarei outro, bilíngue, logo mais, além de  um para crianças ( coautoria e ilustrações da minha neta).

Então, fazendo jus ao título deste texto, enveredo pela constatação, mesmo nesse obscurantismo do qual não imagino salvação até que eu vire estrela, de que a poesia- e o poema- são a grande urgência deste século. O poema concede uma suspensão, um encantamento, uma pausa vital; ele rompe com imposições e regras, desarma os vetos, as classificações, os preconceitos, os limites. O poema opera uma transfiguração e, daí, um outro olhar sobre as coisas.

Só com a poesia podemos dizimar o juízo final.

Frente ao terror da vida que se desfaz em pedaços.(BERMAN, Marshall, 1986), é urgente que sejamos todos poéticos.

Desde a Poética de Aristóteles, que li no curso clássico, até O Arco e a lira e A Outra Voz, de Octavio Paz, que li na maturidade, ecoam em mim certezas que chancelam a poesia como sublime e vital. Ora, para Tarkovski, a poesia é consciência do mundo.   Para Heidegger, ela é o desvelamento do ente, a reinstauração do mundo.

Diante disto tudo, desfaço o meu mutismo e defendo o homo poéticus. Espreito, sem lucidez, uma atitude poética para este mundo contemporâneo.

Na vida, na academia, no dia a dia, nas lutas, no aconchego, na solidão.

Defendo porque ainda por isso eu vivo, e assim é que me parece ser o que resta.  Quanto mais a poesia vive em mim, mais me desloca e injeta nos pináculos da mente cansada a certeza de que a única saída para os destroços que nos cercam é sermos poéticos. Não mais prosaicos, com estes desvalidos discursos racionais, a que nada nos levaram.

A ciência e as descobertas continuam para poucos.

E, para suportar, é preciso transver o mundo, como já disse o poeta.

 

Beth Brait Alvim é poeta, escritora, pós graduada em Cultura e Ação Cultural pela ECA – USP, mestre em Comunicação e Cultura pelo PROLAM – USP, com o tema Desvelando uma atitude poética para o mundo contemporâneo: experiências com poesia em Diadema (Br) e Catamarca (Ar). Dentre suas obras destacam-se Mitos e ritos, Scortecci Ed, 1987, Ciranda dos tempos- espaços do desejo, Escrituras Ed, 2005/ 2006, Visões do Medo, Escrituras Ed, 2007, prêmio PAC do Governo do Estado de São Paulo e A febre e a mariposa, Ed Patuá, 2018. 

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