Paissandu

Foto: Corpo de Bombeiros de São Paulo.

e o malabarista no farol da rua das graças com seu casco de cachaça piroteando no ar chorou os 5 amigos mortos no horror anunciado do Paissandu

esta foi a postagem na manhã após aquela madrugada…
o noticiário oficial dizia: 1 morte
sabíamos que não era verdade. E ainda não é.

No farol, no centro da cidade, a rua das graças perdia a ginga e a graça. O homem pardo-pode-se dizer pardo?? – jogava pro alto sua garrafa vazia.

Eu o chamei já sacando moedas…. eu tenho um porta niqueis ( existe isso ainda?) só para dar moedas e trocados para meus já familiares famélicos espalhados no quadrilátero que percorro todos os dias para ir de qualquer lugar à minha casa, sim, muito perto da comunidade da Craco, do Moinho e do Teatro imponente e hiper salvaguardado da Porto Seguro….. (seguro, segurança, ternos e saltos, exposições hiper contemporâneas, aprendi o que é arte contemporânea, sob as luzinhas dos foguinhos dos canudos de metal… ).

Ao se aproximar e pegar muito grato num sorriso cheio de janelas as moedas, ele fez uma singela reverência e, ao erguer seu rosto magro, envelhecido, disse, que a sra isso e aquilo mais isso e aquilo, apesar do dia de hoje (era 1º de maio..).

Eu lhe perguntei se estava triste, eu, boba demais sempre desajeitada com as faces da pobreza… ele disse, sim, cinco amigos morreram no incêndio…

Sinceramente, não tenho ânimo para dizer tudo o que as pessoas comprometidas e conscientes não se cansam de dizer, da ausência do poder público, da tragédia anunciada, do inferno em que estamos naufragando etc etc…

Só sei que nunca me sairá dos olhos e do coração o homem, conseguindo brilhar um casco vazio no céu, embotando contra o azul sua cinza de fumaça, o sangue quente e o desespero, a garganta apertando, apertando…
Na alma estilhaçada, os amigos, as crianças, as mulheres e os velhos (e não xs velhxs) desgraçados na madrugada do dia do trabalho.
Eu suspiro e avanço o farol com aquele homem no colo… sou boba e desajeitada diante da dor dos outros. Foi apenas mais um dia na cidade em coma, no país morto vivo.

beth brait alvim

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