Senhora, não vai não!

Foto: Gabriel Araújo

Há uns 40 anos uma artista numeróloga sentenciou: ermitã, tendência ao isolacionismo.

Faz 20 dias que aproveitei uma cirurgia e me recolhi. Dolce far niente, longe do caos da cidade grande, grande nada, enorme.

Não gostar de gente. Motivos de sobra. Não no micro, que esse carrega ancestrais neuroses, claro. Mas no macro, no social.

Mas gosto. Tanto gosto que volto ao word por causa de um jovem atendente, desses que carrega caixas, aliança de ouro brilhante e bem à mostra, é certo que no dedo e mão do contrato de casamento, com testemunhas e tudo. Era um mercado pequeno como os que existem no centro para sobretudo as senhoras serem exploradas em suas parcas pensões por conta da facilidade de estarem sempre por perto delas. Cercando-as, (sic), cercando-nos, ainda não me acostumei que sou uma delas.

Bem, acho que jovem eu esbanjava um pouco de auto piedade com questõezinhas da minha saúde frágil. Hoje, de cara lavada mesmo, como fazem as velhinhas, eu disse que não daria para me abaixar para ver etiquetas de preços de uns 4 produtos por causa de uma recente cirurgia.

Verdade (a cirurgia), mas já posso(sinto) até levantar peso desses de 1 tonelada.

De toda maneira, o jovem disse: ah,  não vai se abaixar, não…. E saiu à frente com os quatro produtos para checar os preços… Fui atrás, minúscula, ouvindo minha voz que há quase um mês não ouvia, e achei bonita: ora, obrigada.

Então notei: um ser alto, forte e um sorriso  que a gente quer ter todos os dias, todos os minutos, segundos…. !

Bonita, sim, me senti bonita.

Fiz o resto aérea, leve, sorridente. Coisas que sempre detestei fazer: filas de banco, mercado, filas filas…. até papeei com um senhora atrás de mim e quase disse a ela com seu odor fortíssimo de tabaco: sabe, faz 9 anos que parei de fumar!  Fumei 40 anos, a senhora..

Mas não. Apenas sorri, eu, que nem olho para os lados e muito menos para as pessoas.

É, posso até tender fortemente e me fechar, ficar só comigo e a natureza. Ah, mas gosto das pessoas!

Hoje a vida me foi muito linda por isso: sentir de novo o quanto gosto.

Mas sei, apesar do êxtase no mercado do centro da cidade, que tudo isso só foi simpatia, prontidão, bondade, excelência.

Sim, foi isso.

São Paulo, 30 de junho.

2018

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