A Cidade Que Matou Edugair #TBT
Bruno Ishisaki ao meu ver é um dos artistas mais talentosos e críticos da juventude atual. Meus cabelos já estão brancos. Ele e seu grupo Tempo-Câmara e também seu selo SANJA RECORDS tem nos trazidos arte. E arte muitas vezes é indigesta, nem sempre é o belo, o inefável. E fazer uma canção para um amigo que nos inquietava como Edugair, é algo comovente. Acho que ainda não tive um dedo de prosa com Bruno. Seu amigo Marco Antonio Machado foi alguns anos de boa convivência no meu tempo de Gnose. Arte, sobreviver dela já nem penso, mas ela faz parte de nosso dia a dia. Sempre cambaleante e combativo Edugair nos provocava. Tive inúmeros confrontos de ideias com ele. E era sempre uma festa sua presença. A saudade sempre aperta em espaços como o SESC e na Sede da Fundação Cultural Cassiano Ricardo. Ele iria adorar este fervilhar de espaços independentes. Um dia gravei um vídeo com ele depois de um sarau no Bola de Meia.
Vamos nos abrindo para as novas cabeças indigestas da cidade. E desta nação, como Bruno Ishisaki. Obrigado amigo por manter a memória de um amigo de jornada. EduGair sempre nos contava os bastidores da cidade, com um jeito só dele. Vamos descobrindo enquanto respirarmos, novas figuras emblemáticas. Eu vivo de arte, eu respiro. No Brasil é difícil sobreviver seja de arte ou qualquer profissão e vocação. Iremos aprender a arte de viver . Edugair é a indigesta resistência. Insistência!
Joka Faria
João Carlos Faria
Quinta – feira pós carnaval 2020
Olha, saiu “A Cidade que Matou Edugair”. Conheci o Edugair-ator em uma reunião do FMC. Sua figura era impressionante: o Edugair tinha o poder de invadir os sentidos. O Edugair era foda. Ele incomodava, é claro. Já o vi ser vaiado por multidões. Por outro lado, ele incorporava algo da cidade que se opunha às narrativas de empreendedorismo, tecnologia e outras besteiras que estavam em moda na época (agora o negócio é inventar que SJC é uma “capital da cultura”, seja lá o que isso signifique). Pode-se mesmo dizer que o Edugair é a anti-indústria. Não é à toa que o mataram. Penso que estou para o Edugair como Paulo está para Jesus, ou Platão para Sócrates. Eu sou aquele cara cujo trabalho é racionalizar a loucura, transpor as coisas do folclore para a mitologia, para que, futuramente, tudo isto vire um Poder. Então as minhas intenções não são boas. Edugaísmo hegemônico.
Segue a letra de “A Cidade que Matou Edugair”:
É nessa cidade de homens bons em que desvios intoleráveis são extintos.
Implacavelmente a invisível mão limpa esta cidade dos mendigos.
A vista dá pro parque e pro jardim com empregadas nos pontos de ônibus…
Cuidado ao sair de noite, menina.
A cidade é perigosa: é a cidade que matou um Edugair perto do SESC, na entrada do Parque Santos Dumont.
Na avenida de um bairro movimento da cidade os carros passam todos da mesma cor cinza.
Mas o vermelho está no sangue do menino bicha que apanha por causa de um flerte; da menina sozinha olhando pra todos os lados.
O vermelho na seringa, na ferida que não sara, no travesti espancado, nos punhos do evangélico.
Querem tirar o vermelho do mundo, mas são cegos em suas crenças, incapazes de enxergar ou colorir.
Nem sabem o que querem, gerenciando fábricas, fazendo aviões.
Deixam-se levar por sonhos de cal e concreto, parcelados para não sentir dor.
E é nessa cidade de homens bons em que desvios intoleráveis são extintos. Impiedosamente a invisível mão higieniza e desinfecta os domingos.
(Que bela cidade! Quase uma metrópole!)
Cuidado ao sair de noite, menina. A cidade é perigosa: é a cidade que matou um Edugair.
A Cidade Que Matou Edugair
Joka e Bruno enquanto rola o roda viva e uma moça briga por causa de um ovo de pascoa.