
A indústria cultural e a Quarta Revolução Industrial: o futuro dos artistas em um mundo de IA
(*) Valentina Daldegan
Vivemos um momento de transição profunda. A chamada Quarta Revolução Industrial, marcada pela inteligência artificial, automação e big data, está redefinindo os limites da criação humana. No centro desse debate está a arte — ou melhor, o lugar do artista em um mundo onde algoritmos são capazes de escrever textos, gerar imagens e compor músicas. A indústria cultural, que sempre esteve intimamente ligada à tecnologia, agora se vê diante de um dilema ético e criativo.
Uma das perguntas mais instigantes do nosso tempo é: a inteligência artificial pode realmente criar algo novo? A resposta mais honesta talvez seja “não completamente”. Por mais impressionante que seja a capacidade de uma IA de gerar obras visuais ou literárias, ela só o faz com base em um banco de dados — alimentado, evidentemente, por criações humanas. Ou seja, a IA recombina, adapta, estiliza, mas não “inventa” no mesmo sentido em que um artista humano, com suas vivências e experiências únicas, inventa. Há sempre um ponto de partida humano por trás das imagens que ela gera. A criatividade, até segunda ordem, ainda é um fenômeno humano.
É justamente essa dependência do que já foi criado que provoca outro efeito: a saturação estética. Imagens geradas por IA costumam causar um impacto inicial — aquele momento de espanto, até de encantamento — mas esse impacto rapidamente se dilui quando variações quase idênticas da mesma estética começam a se multiplicar em série. Um exemplo notório é o uso do estilo do Studio Ghibli, em gerações automáticas. O que começa como uma homenagem ou curiosidade, logo se transforma em uma enxurrada de imagens, o que esvazia seu sentido original e torna o estilo repetitivo e desprovido da alma que o estúdio japonês tão cuidadosamente construiu.
Isso não quer dizer que a IA não possa ter um papel importante na criação artística. Assim como ferramentas de escrita com IA podem ajudar escritores, jornalistas e estudantes a pensar, organizar ideias e revisar textos (sem substituir sua autoria), no mundo das imagens existe o cenário em que artistas usam IA como elemento e auxílio em suas criações. O problema emerge quando a IA deixa de ser ferramenta e passa a ser substituta. Quando empresas optam por não pagar artistas porque podem gerar imagens realistas e “novas” com apenas alguns comandos de texto, estamos diante de uma precarização da arte e da autoria.
O cerne da questão não é só econômico, é também ético. Por que pagar um artista para criar algo único se posso replicar o que preciso usando apenas a IA? Por que contratar um fotógrafo e um modelo se posso gerar uma imagem hiper-realista de uma pessoa que não existe? Empresas que antes buscavam diferenciação por meio de identidades visuais únicas e conceitos originais agora podem se perguntar se vale o investimento em criatividade humana. Aliás, esse é um tiro no pé: no longo prazo, a padronização promovida pela IA compromete a originalidade que toda marca busca. Mas além disso tudo, temos o mais alarmante: por que respeitar os direitos autorais de uma obra se posso usar o trabalho anterior de alguém como base para algo “novo” sem sequer pedir permissão? O uso indiscriminado de criações anteriores — sem consentimento ou crédito — ameaça o próprio conceito de propriedade intelectual, que sustenta o trabalho artístico.
Isso coloca o futuro dos artistas em xeque. Diferente do que algumas pessoas podem pensar, além da necessidade de expressar-se pelas diversas linguagens artísticas, além do amor à arte, assim como qualquer outro profissional os artistas precisam viver, pagar contas, sustentar seus projetos. E para isso, precisam de um mercado que valorize suas criações — e não que as substitua por simulacros gerados em segundos por um algoritmo.
Por isso, mais do que resistir à tecnologia, é preciso estabelecer limites claros para seu uso. A IA pode ser aliada, desde que não apague a presença humana da equação criativa.
As empresas, por sua vez, precisam repensar seu papel: seguirão optando pelo caminho mais barato, mesmo que isso implique a destruição da originalidade e da ética? Ou investirão em criações únicas, que realmente carreguem consigo uma identidade criativa e humana?
O futuro da arte — e dos artistas, e da humanidade — dependerá das escolhas de agora.

* Valentina Daldegan é doutora em Música e coordenadora de pós-graduação na área de Educação do Centro Universitário Internacional Uninter.
Nqm Comunicação
Jennifer Koppe
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