A Lenda do Corpo Seco

Quando criança, na cidade onde nasci no Paraná, meu pai que era joseense nos contava sobre o corpo seco.

Eu ainda não conhecia São José dos Campos fisicamente – mas minha imaginação sempre viajava pela Mantiqueira, pelo Pico do Selado, um lugar que me assombrava desde criança.

Meu pai e minha mãe contavam que o pico sempre foi morada dos corpos secos. Todos os humanos que batiam ou enfrentavam o pai e/ou mãe, ao morrer ficavam com o braço pra fora dos seus túmulos, quando enterrados. Então o padre da cidade, chamado João, encaminhavam esses amaldiçoados para a Igreja São Benedito. E lá ficavam até o dia que o Padre transportava o dito cujo para o Pico do Selado.

Muitos anos se passaram desde esses contos sob a lua cheia, no meu querido Paraná. Até que a minha família voltou para São José dos Campos. Meus pais que nasceram nessa cidade, foram, nos anos quarenta para o sertão do Paraná. No final dos anos setenta voltamos todos para São José dos Campos. A cidade dos meus sonhos, das minhas lendas, das minhas viagens pela Serra e Picos misteriosos.

Então, por conta de tantas histórias, resolvi morar na pequena São Francisco Xavier, palco de muitas histórias que ouvi quando criança. O tempo que morei em São Francisco Xavier, trabalhava, digo, curtia umas férias de dois anos. Trabalhar numa cidade como São Chico é estar sempre de férias no paraíso. Fiz muitas caminhadas pela fascinante Serra da Mantiqueira que habitou minha imaginação infantil. Fiz trilhas pelas matas fechadas e subia até Minas Gerais, cidade de Monte Verde.

Num desses caminhos, estava o Pico do Selado, habitado pelos corpos secos. Nunca tive coragem de explorar aquele lugar. As histórias estavam vivas na minha memória: “Se algum dia você subir no pico do selado, tem que ser depois das seis da manhã e deixar o lugar antes das seis da tarde. Nesse período não é possível encontrar os corpos secos. Eles saem à tardinha em busca dos desavisados, pulam nas costas de quem passa a pé ou a cavalo. A pessoa sente o peso, mas não vê a “coisa”. Mas quando isso acontece é preciso correr e alcançar a ponte sobre o riacho ou rio. O corpo seco não atravessa água. O elemento água é a única forma de impedir que o corpo seco acesse outros lugares além do pico” dizia o meu pai. Contava ainda relatos de cavaleiros, que sentiam quando o bicho pulava na garupa. O cavalo relinchava e quase não aguentava correr pelo peso que carregava.

Essas histórias ficaram arquivadas na memória por muitos anos. E de vez em quando vem à tona para balançar as emoções. Certa vez caminhei em volta do Pico, mas não tive coragem de adentrar. Estava com meu amigo Paulo Lopes que fez questão de me levar até o local e tentar subir. Foi em vão, não tive coragem. Já ouvi histórias de amigos trilheiros (Reinaldo e Marlene) que viram coisas misteriosas por aquelas bandas.

Elizabeth de Souza

2017

Sobre Elizabeth Souza 407 Artigos
Elizabeth de Souza é coordenadora e editora do Portal Entrementes....

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