A moça e a chuva

Foto: Avenida Névio Baracho – SJC http://mapio.net/pic/p-3848128/

Por Milton T. Mendonça

Tudo começou a degringolar quando terminou o trabalho que fazíamos juntos. Depois de algum tempo, Marisa se afastou simplesmente como se nada tivesse acontecido. Fiquei perdido – a princípio – mas depois, o tempo foi passando e voltei à minha rotina anterior: tentar arrumar uma modelo para o meu novo projeto. Era final de Setembro e a exposição deveria acontecer em junho. Chuvas torrenciais caiam periodicamente e, foi tentando me esconder debaixo da marquise da rua Quinze de novembro que a vi pela primeira vez.

Ela era miúda, com a cor da pele jambo. Uma típica brasileira com traços que misturavam o que tinha de mais belo nas três raças formadoras da nossa brasilidade ensolarada. Olhei-a de cima a baixo. Disfarçado é claro, mas com toda minha atenção voltada para sua silhueta. Olhou-me de volta com aqueles olhos índio, meio puxado, com a cor da avelã madura. Senti um calafrio.

– Boa noite
Ensaiei sem graça, tentando passar segurança.
– Boa noite
respondeu com um sorriso pronto nos lábios sensuais.
– A primavera tem suas desvantagens. Acredita que é a terceira vez que a chuva me pega no meio da rua?! Ainda bem que existem marquises, não é mesmo?
– Gosto da chuva!
– Eu não gosto. Ela gruda no corpo, me dá aflição.
– Você não sabe o que é bom!

Dizendo isso, retirou os sapatos de salto altos e sem nenhum comentário, como se fossemos velhos amigos, segurou minha mão e me puxou para o meio daquele aguaceiro que caia feito uma cascata, tapando a visão para tudo que estivesse além de alguns centímetros.

Corremos em direção a rua Rubião jr e, chegando nela, viramos à direita. Mais calma, mas ainda segurando minha mão, me conduziu até o jardim do sapo onde nos sentamos em um dos bancos. A chuva caia furiosa e seu barulho era ensurdecedor.

De repente ela se levantou e começou a dançar, subindo e descendo dos bancos, rodopiando e gritando como uma alucinada. Sentado onde estava eu via apenas seu vulto que jogava água como uma centrífuga. A luz incidindo sobre as gotas, se quebrava num festival de cores luminescentes a transformando em um ser mágico. Eu estava paralisado, chocado com tanta beleza

Como começou, a chuva parou subitamente. A moça foi rodopiando lentamente, acompanhando o ritmo das últimas gotas que caia e, quando estacou na minha frente, a noite estava seca como se não tivesse chovido. Olhei-a de baixo para cima e o negro aço do céu límpido, emoldurou aquele rosto angelical. Eu já estava paralisado. Assim fiquei. Olhando-a – provavelmente com cara de pateta, nunca saberei – até que ela me tocou com o dedo e perguntou com um grande sorriso:
– Gostou da chuva?

Seu vestido colado no corpo a deixava quase nua. Percebi o contorno dos seios firmes e o umbigo de imediato. A calcinha exígua, percebida em seguida, afundava a carne nas ancas, deixando entrever na penumbra, o triângulo um pouco estufado, finalizado por uma linha reta. Minha memória completou as falhas onde o vestido não se colava a pele e uma imagem deliciosa encheu minha visão. Senti um movimento entre as pernas. Levantei-me encabulado.
– Não é tão ruim assim. Uma experiência interessante
respondi também sorrindo.
– Estou toda molhada.
falou alegre.
– Aonde ia antes da chuva?
– Ao teatro! Mas parece que não vou poder mais ir.
– Tenho um ateliê aqui perto, vamos até lá? Pelo menos você pode se enxugar e tomar algo quente. Vai acabar se resfriando desse jeito.
Percebi os pensamentos rolarem em alta velocidade no seu cérebro analítico.
– Está bem!
Exclamou com um meio sorriso no canto dos lábios.

Descemos o calçadão e chegamos a rua Siqueira Campos, dobrando em direção a rodoviária. Caminhava em silêncio com medo de quebrar o encanto, mas a mente estava em ebulição. Minha obra prima estava sendo construída naquele momento. A proximidade do seu corpo me deixava excitado e não podia tirar a mão do bolso, e isso, fazia com que meus passos perdessem a estabilidade – queria correr!

Ao cruzarmos o semáforo no final da rua, na entrada da praça padre João, ouvi o guincho de uma freada brusca e alguém chamou seu nome: Elisa! Ela se afastou de mim e entrou no carro estacionado a sua frente. Tentei segura-la mas por um milésimo de segundo senti o medo. Uma onda bateu na mão que quase a tocava. Retrai o braço. Ela me olhou com aqueles olhos aveludados e um brilho de esperança, de futuro, de depois, escapou fulgurante em minha direção. Parei. Deixei que ela batesse a porta e desaparecesse descendo a Névio Baracho em direção a Santana.

2018

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