A travessia, nas palavras de Riobaldo
Grande Sertão – Veredas, foi um belo presente de Guimarães Rosa ao povo brasileiro. Naquelas páginas viajamos pelos grotões daqueles rudes sertões das Gerais. Deles, talvez ainda pouco conhecemos, urbanoides que somos.
Uma obra extensa, de fôlego. Eu a li apenas uma vez. Foi o bastante para me encantar com a narrativa do jagunço Riobaldo, por meio daquela linguagem inédita na literatura brasileira. O que pode ser aquilo? Uma experiência inovadora? Um arroubo de regionalismo? Sem dúvida, uma obra prima por tudo que representa.
Apesar desse encantamento, não a reli. Falta de tempo sempre foi minha desculpa esfarrapada. Para ser sincero, e até paradoxal, a preguiça foi superior ao fascínio pela obra.
Conservo, entretanto, sua essência em minha memória. Por sorte, na leitura de Grande Sertão mantive o hábito de fazer anotações nas margens das páginas ou em papeis avulsos. Além disso, quando leio, dependendo do conteúdo, gosto de fazer pausas para reflexões. Isso me ajuda a reter pontos essenciais do texto na memória.
Nesses dias chuvosos do início de janeiro, detive-me a reler algumas anotações sobre as falas de Riobaldo, o personagem principal de Grande Sertão – Veredas.
Homem rude, reflexo e filho daquele ambiente, Riobaldo impressiona pela sua incomum sabedoria instintiva. Diversas vezes ele compara a vida a uma travessia, onde não faltam percalços e perigos: “O real não está no início, nem no fim; ele se mostra pra gente é no meio da travessia”.
Tentando associar a algo parecido, lembrei-me de um poema de Fernando Pessoa: “A vida é feita de travessias e se relutarmos em fazê-las, ficaremos à margem de nós mesmos”.
Em nossas vidas, a travessia pode ser um ponto de inflexão, um momento de transformação; a hora do enfrentamento de incertezas, de viagens ao desconhecido.
Encorajar-se à travessia pode levar-nos ao encontro da procurada verdade dentro de nós mesmos. Aceitar o novo e não temer a dor. Queimar navios e não voltar atrás.
E, como filosofou Guimarães Rosa pelas palavras de Riobaldo: “Quem elegeu a busca não pode renunciar à travessia”.
“Viver é um descuido prosseguido”.
Por Gilberto Silos
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