Por Eliane Camargo
A escrita carrega de nós aquilo que nos transborda ou nos falta no momento. E, mesmo que nos afastemos, ao escrever sobre algo fora do que sentimos é quase como nos amputar um pedaço.
Hoje, escrevo os rascunhos do que sinto.
Escrevo “as/aos” que assim como eu, não sabem esconder sentimentos. Se minha boca não fala, se minha escrita não diz, meus olhos entregam. Mesmo que eu os tente guardar, eles se impõem.
Se, por um lado a minha voz, meus gestos afagam, por outro, não me contenho ao ouvir ou presenciar a barbárie sendo romantizada. Me entrego a minha sinceridade tortuosa, mal-educada, não meço palavras.
Vivemos em um mundo que maquia o que pensa, filtra o que diz, mas conserva a dor. Enfeita violências com palavras doces. Frases que em nome do “discurso democrático”, podem ser reacionárias, homofóbicas, opressoras, desde que digam isso com educação. Segundo este pensar: “Agressiva/o” é quem combate a normalização das violências.
Desde quando ter humanidade, lutar contra injustiças, passou a ser ofensa?
O silêncio pode até ser educado, mas em certos momentos, ele é ainda mais agressivo. Quando debatemos ideias que são contrárias e o silêncio aparece. É como se ele nos dissesse: – Fale o que quiser, não vou ouvir. A tua voz não importa!-
Agressivo não é rebater o que o outro pensa, mas impedir que fale. Silenciar a sua voz, não se importar com a sua dor.
A indiferença dói. O não dito, também é violento.
Escrevo com sangue nos olhos. A verdade não me permite escrever de outra forma. Aqui dentro, o coração anseia por revolução, mas do lado de fora, o mundo continua conserva(dor).
As pessoas convivem com quem não gostam porque é educado. Mantém relacionamentos sem amor, porque possuem medo de recomeçar. Se perdem em seus egos, que chamam de autoestima, pela covardia em reconhecer que precisam do outro. Remendam palavras, atitudes… Mesmo com o coração aos pedaços, atualizam os seus stories com sorrisos falsos, com uma felicidade pedante. Atrás da maquiagem, dos filtros, mentem para a realidade, mentem para si mesmas. Esta é a lógica deste mundo “civilizado”: Não ser, mas parecer.
Sinto que o meu compromisso já não é mais com esta sociedade, com nenhuma instituição, porque todas foram atrofiadas pelas mazelas capitalistas, pelos falsos moralismos e pelas tantas violências. Não! A isso, já não deposito mais esperanças. Esta sociedade, que lucra com a dor do outro, já nasceu fadada ao fracasso. Não se pode remendar trapos e achar que terá algo novo.
Só posso me comprometer com a sociedade que pode ser. Aqui, Marx se faz presente em minhas ideias. Um novo modelo de mundo, que carrega além de utopias, a minha própria humanidade. É a este que reservo meus sonhos, minha luta.
Me perdoem. Hoje, tentei… Juro que tentei, mas não consigo entregar-lhes um texto esperançoso.
Neste instante, todos os meus pedaços são revolta. Mas se os tirasse de minha escrita, também roubaria o meu direito de ser. Negaria o que posso oferecer neste momento. Me recuso a maquiar a realidade. Os filtros, ainda que bonitos, já não embelezam mais minhas angústias.
Talvez a única certeza que tenhamos é o que somos no agora.
Neste agora, sou rascunho de uma sociedade doente, que não carrega apenas uma pandemia, mas a própria desumanização.
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