AINDA, 25 DE ABRIL
Dia deste a convite do casal de amigos Manuel Anta e Rocilda Cruz, lá fomos jantar, eu e Josi, com Adelino Gomes e Manuela, não só para saborear, no meu caso, um belo bacalhau, não igual ao da Lúcia Velloza, diga se de passagem, a cunhada da Josi, minha concunhada “agregada”, mas também para trocarmos algumas impressões sobre cinema, política e algumas pilherias, comuns entre os brazucas, como diz Manuel.
A terrinha desse lado de cá do atlântico, acabara de recuperar o gosto da democracia, sabor que vinha sendo adulterado. Nessa pegada, ambas as terrinhas, muitas lembranças a serem superadas, apareceram na mesa, antes dos comes, porque os bebes, eles, bebiam.
Sobre o que andas fazendo, Manuel instigar Adelino a falar sobre o livro comemorativo dos 50 anos sobre o 25 de Abril, do qual Adelino é um dos autores. Antes, porém, sabendo Manuel do meu interesse por este fato histórico, ele me presenteia o Álbum, em Vinil, narrado por Adelino, além de textos e um ótimo material fotográfico, como era de boa índole, ter os LPs de vinil, da época em que ler, era um hábito saudável, fazia bem pra saúde.
Bom lembrar neste momento em poucas palavras, quem foi Manuel Ferreira Anta. Foi meu puta amigo porra, o cara deixou toda uma vida em Paris, onde, entre outras coisas, trabalhou na Cinemateca Francesa com Henri Langrois, foi tesoureiro do Comitê de intervenção, na Sorbonne durante o maio de 1968, cobriu várias guerras em África, o retorno de Nelson Mandela e sua jornada a presidência da África do Sul. Nos divertíamos à beça, porque estamos vivos e cada momento valia e valeu viver.
Adelino Gomes, começou Manuel, jornalista, trabalhava na rádio portuguesa e lá pelas tampas, de saco cheio com o Salazarismo, volta e meia, dava-lhe umas bordoadas, numa dessas foi despedido, com filhos pequenos, vivia de bicos, tomou a palavra de Manuel, e Adelino continuou; sem perspectivas de novo emprego, o cerco se fecha cada vez mais em torno de sua conduta.
Numa dessas manhãs de abril, o ar parecia suspenso no ar, tudo era o mesmo, tudo era igual, ao mesmo tempo, nada no ar, nem jatos ou gaivotas, quando de repente, tanques do Exército surgem em suas costas, sem fazer alarde, só os sons das botas dos soldados em passos largos, atravessam as ruas em direção a edifícios públicos, uma equipe de jornalistas, da rádio da qual Adelino fora demitido, tenta entender o que estava acontecendo, eles conversam com Adelino, sabendo do seu faro jornalístico, procurando saber o que está havendo com tanta movimentação repentina.
Adelino entre tanques, canhões e soldados, encontra um tenente, seu amigo de escola. Adelino pergunta: o que está acontecendo, mais um golpe militar? Estamos aqui para garantir que homens como você, não tenha que passar pelo que você tem passado, este explica o que está acontecendo, Adelino retruca, não quer cair numa cilada, o tenente convida Adelino a subir num tanque. Adelino informa aos colegas, equipe da rádio o que está a acontecendo e eles lhe entregam o microfone da rádio ao vivo, para começar a narrar. O romper da aurora da Revolução dos Cravos!
Neste momento, Manuela, que durante toda a narrativa do seu marido Adelino permaneceu impávida, com seu olhar miúdo, fuzila os cumplices em volta da mesa e questiona: perguntam-me onde eu estava durante estes fatos “gloriosos”. Josi que ao ouvir narrativas semelhantes, sempre espezinha o narrador, atropelou Manuela a perguntar: E tu Manuela onde estava? Porque eu sempre me pergunto, onde estavam as mulheres desses personagens em situação semelhantes. Manuela respondo agoniada, aos frangalhos, cuidando dos filhos pequenos, sem informação, vendo tanques e soldados nas ruas, sabendo onde o pai estava, perseguido que era pelo regime, controlando os nervos para não explodir, apavorada, com medo de alguém bater à porta, ou o telefone tocar, dando a notícia fatídica, o que pensar, o que fazer numa hora inesperada como esta, se não olhar pra si mesma, levanta a cabeça e diz: não, eu não me entrego não, a vida continua!
Diogo Gomes dos Santos
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