
Data de leitura: 12-03-2025 a 16-03-2025 Nome: Luísa FRESTA
Ficha de leitura
Título: ALÉM DA NOITE
Autor: João Tala[1]
Editora: Editora Rangel ©
Coleção/ Edição:
Ano de publicação: 2019
Género literário: Novela
Número de páginas: 105
Resumo:
Duas novelas curtas[2] compõem Além da Noite, da autoria de João Tala, cuja obra tenho vindo a seguir essencialmente em poesia. Neste texto o autor explora as desilusões, expetativas e inquietações dos militares que foram obrigados a combater numa guerra fratricida, a qual só culminou em 2002. Numa altura em que pouco se falava de stress pós-traumático no contexto angolano, aqueles jovens, subtraídos a cada família angolana, ficaram com marcas indeléveis que condicionaram as suas atitudes, linguagem e forma de pensar, como bem ilustram os diálogos de Além da Noite. O título é, por si só, bastante revelador, pois conduz-nos à ideia de transcender um período sombrio, do despertar depois das trevas, de ver a luz para lá da escuridão. Ultrapassar momentos difíceis e renascer num ambiente mais respirável e luminoso. Ignoro se seria essa a intenção do autor, mas foi a impressão que retive.
Todas as personagens se me afiguram profundamente humanas, falíveis, frágeis, esperançosas ou desesperadas: os frequentadores do bar do sô António Teixeira, apreciadores e fiéis clientes do peixe da mana Joana João, o soldado José Kafalanga, a cantora balzaquiana Famélia Kafundanga, o velho Pai, “Negra” (a Mãe), Kavila Mongo ou o amigo astrónomo Juvenal Mendonça…
“(…) Meio mundo me chama «desenrascado», isso é com eles. Cheguei do meu tempo e estou aqui, camaradas. Esse tempo, vocês sabem, são as vossas memórias. (…)
P.6
O proprietário da tasca é uma figura interessante; longe da caricatura, representa, com humor, o comerciante português que se funde na cultura angolana. E que, nos meios rurais ou urbanos, acrescenta esse tempero lusitano, de cariz popular, com uma atitude simultaneamente próxima animicamente e distanciada dos afazeres e do modus vivendi local, do qual também é paradoxalmente parte integrante. Ele ouve e aconselha sem se imiscuir, um pouco como os barbeiros.
As mulheres têm também um papel substancial nesta narrativa; elas são astutas, misteriosas, sábias, carentes, sedutoras ou simplesmente sobreviventes. O amor está sempre no ar, mesmo nos momentos mais rudes e despojados das relações. Todas as figuras parecem precisar de um colo, de um projeto de vida e de algum sentimento apaziguador. Mesmo a morte, a sua expetativa ou constatação, é assunto dos vivos, um tema que fragiliza e extrai de cada pessoa atitudes díspares em função da sua própria maneira de sentir a presença e a falta daqueles que partem.
O narrador usa uma linguagem híbrida e eminentemente poética, indefinível, que não se pode padronizar. É a linguagem que flui ao sabor do pensamento e ao ritmo dos acontecimentos e das emoções. Todas as palavras e descrições têm o seu quê de inesperado porque Samuel, um rapaz do Lwena, xará do seu Pai, não segue nenhum roteiro, aparentemente. Apenas partilha com o leitor o impacto do quotidiano sobre si mesmo e a sua maneira de lidar com os acontecimentos fortuitos que se escondem em cada ser humano.
“(…) Não falei meu nome antes porque ninguém se importa comigo (…)”.
P.23
Há uma nota de sobriedade que queria destacar, julgo ser intrínseca ao próprio autor, que consegue ver o mundo com olhos de empatia e proximidade, sem, no entanto, se deixar aprisionar por ele. O autor tem uma forma secreta de se dar às personagens, de se envolver com as circunstâncias e todas as suas ramificações, mas pauta-se por um olhar maduro e ponderado.
“(…) – Eu sou um homem experiente, um cacimbado. Conheço mais de você do que você próprio se acha, meu filho. (…)”.
P.29
Esse distanciamento é necessário para preservar a objetividade da narrativa. Por outro lado, alguns temas merecem especial destaque neste texto: a guerra (incluindo o pós-guerra e a desmobilização), o machismo estrutural, o conflito ou a confluência de gerações, a maternidade e o tabu da diferença de idades nas relações amorosas, sobretudo quando a mulher é a mais velha. Todos esses assuntos são tratados com naturalidade, talvez até alguma candura, pelo que fiquei sinceramente agradada com o tom e o ritmo de Além da Noite.
De referir também a exuberante capa de Mohamed Ibrahim com fotografia de Gociante Patissa, outro grande autor angolano cuja escrita venho acompanhando há alguns anos.
[1] Biografia resumida do autor: “João Tala, médico e escritor, nasceu em Malanje a 19 de Dezembro de 1959. Iniciou a sua actividade literária na cidade do Huambo, tendo sido cofundador da Brigada Jovem de Literatura. No seu primeiro livro de poesia, que sai a público apenas em 1997, João Tala revela uma auspiciosa contribuição para a renovação e diversidade do discurso poético angolano, que caracterizou a geração da Novíssima Poesia Angolana. É membro da União dos Escritores Angolanos.” Fonte: https://www.lusofoniapoetica.com/angola/joao-tala
Publicou várias obras em prosa e em poesia, entre as quais: (Poesia) – A Forma dos Desejos (1997), prémio Primeiro Livro da União dos Escritores em 1997 e o primeiro lugar dos Jogos Florais do Caxinde em 1999; O Gasto da Semente (2000); A Forma dos Desejos II (2002); Lugar Assim (2004); A Vitória é uma Ilusão de Filósofos e de Loucos (2004); Forno Feminino (2009); (Ficção): Os Dias e os Tumultos (2004); Surreambulando (2007). Fonte: https://poesiangolana.blogspot.com/2014/04/joao-tala.html
[2] https://www.pressreader.com/angola/folha-8/20190831/281874415079623?srsltid=AfmBOornRC1plrrCXPcaUG9FAAgnXdrw2LcnoUMw33NqLUhUF3qJcgN5
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