Para aquele jornalista freelance de 25 anos, em sua primeira reportagem, foi inesquecível entrar no estúdio da rua Jericó, na Vila Madalena. Ainda mais, trêmulo, pegar o pedaço de papel com as perguntas garatujadas e fazê-las, já naquela época, a dois dos mais respeitados artistas gráficos do pedaço: Paulo Caruso e Rafic Jorge Farah. A dupla tinha lançado o livro As Origens do Capitão Bandeira, a quatro mãos, e eu fora incumbido de realizar um texto de 1000 palavras sobre a obra.
Fui muito bem recebido pelos arquitetos-cartunistas. Paulo, ao saber que eu fazia parte da gangue do Língua de Trapo, revelou um especial interesse. Houve quase uma inversão na dinâmica do papo: ele passou a me entrevistar. Certa hora, interrompeu a conversa para dedilhar ao violão canções do grupo, entre elas algumas de minha autoria. A performance, em sua voz gutural, me fez sentir bem mais à vontade.
Eu só não imaginava que, a partir do nosso encontro na rua Jericó, o indivíduo bonachão e corpulento ali em minha frente colaboraria para transformar minha vida.
Para iniciar foi ele quem me apresentou à dona do jornal de classificados Primeiramão. Serena Ucelli pretendia lançar colunas e entrevistas em seu semanário e, depois da intervenção de Paulo, me contratou como editor. Levei para o Primeiramão nomes como Maurício Kubrusly, Gabriel Priolli e Moacir Japiassu. Conduzi também entrevistas com o nascente Titãs (ainda do Iê-Iê), Ney Matogrosso, Belchior e muitos outros astros da MPB.
Após garantir minha sobrevivência, Paulo Caruso, como um parente mais velho que sempre bota o caçulinha nas bocas, seguiu em meu apadrinhamento. E não agia assim por nenhum interesse particular. Era apenas, e tão somente, a velha e boa camaradagem.
Em 1985, no Salão Internacional de Humor de Piracicaba, formou a banda Muda Brasil Tancredo Jazz Band, com participações de Chico Caruso, Cláudio Paiva, Aroeira e Luis Fernando Verissimo. E lá estava eu, no meio das feras, cantando “Deusdéti”, em pleno palco do Teatro Municipal piracicabano.
Um tempo depois, criamos A Outra Banda do Língua (com Laert Sarrumor, Lizoel Costa e eu), para acompanhar Paulo e Chico em suas apresentações musicais. Uma delas foi deveras marcante: no Bar Avenida, do jornalista Paulo Markun, marcamos presença num show antiditadura. Para a ocasião compus uma marchinha sarcástica desancando o general Newton Cruz e dividi a ribalta com Paulo, Chico, Dominguinhos, Fagner e Chico Buarque de Holanda.
Em 2012, um dia após a morte de Millôr Fernandes, Paulo e eu fomos convidados pelo programa Metrópolis, da TV Cultura, para falar sobre o decano dos humoristas. Ele, sobre o lado cartunista de Millôr; eu, sobre as frases, elucubrações e reflexões do guru do Méier. Antes de nossa entrada para a conversa com Manuel da Costa Pinto, a Cultura gravou esta vinheta para divulgar o programa nas redes sociais. Revelava-se, naquele momento, para o grande público, três décadas de uma parceria de pena, pincel e palco.
Mais do que tudo, Paulo Caruso me deu de presente um ambiente como humorista. O maior anfitrião desse ecossistema foi Luis Fernando Verissimo, que escreveu três apresentações para livros meus.
De quebra, Paulo ainda desenhou a capa do meu Crônica por quilo (2019) e redigiu estas generosas palavras sobre o autor:
“Ninguém é Castelo à toa. E o Castelo que aqui celebramos é muito distinto. Foi um dos colaboradores do grupo musical satírico Língua de Trapo, cujo estilo o nome já define. Misto de filósofo, jornalista e escritor, como um personagem que ele próprio se caracterizava nos palcos, é antes de tudo um caçador de si”
(Carlos Castelo, Bom de Língua)
O personagem a que ele se refere no texto era o caçador-inglês-na-África no qual me travesti para fazer uma gag de Caçador de mim, do Milton Nascimento, em show dos Irmão Caruso
O inesquecível PeCê ainda me deixou um derradeiro mimo: esta faixa do cd Bossa ‘n’ humor que lanço amanhã, em live, da editora Laranja Original. Parcerias de verdade, como a nossa, não morrem, ficam desenhadas na lembrança.
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