As perguntas sem respostas de Matrix

Por Germano Xavier

A trilogia cinematográfica Matrix, dirigida pelos irmãos Wachowski, é um produto midiático de ficção científica que mistura tecnologia, efeitos especiais com mitos, crenças, religiões e, evidentemente, filosofia antiga e atual. Os paralelos que podem ser estabelecidos entre temas abordados nos três filmes da série (mormente o primeiro) e as idéias de Sócrates e Platão, principalmente aquelas ligadas ao seu famoso e tão discutido Mito da Caverna, são inumeráveis. A caverna de Platão é o mundo das sombras, o mundo onde reina o desconhecido mais geral e também onde vive a ânsia pelo saber, e o filme nos questiona o que é, para nós que vivemos numa época em que ciência e tecnologia predominam, a nossa real e atual caverna? Matrix é, assim como o antigo mito platônico e antes de qualquer outra coisa, uma alegoria, uma pantomina dos pensamentos de Sócrates e seu discípulo-mor. Há nos filmes a preocupação com os encadeamentos do “descobrir” e com o do “descobrir-se”, este otimizado como num processo de autoconhecimento que busca a retratação de uma outra atmosfera e de uma outra realidade, tanto mais próxima quando mais distante da realidade pensada enquanto real. Tanto em Matrix como nas idéias desses dois filósofos, existe uma ênfase para com a construção de diversos valores distritais humanos e sociais, como o enraizamento da curiosidade, a fortificação do desejo, a eterna fome por conhecimento e até a “apalpação” do que é real e/ou matéria-caminho para fuga do que fosse apenas virtualidade ou imatéria. O reflexo das pessoas na parede, o mistério, a dúvida pelo que é novo, os choques entre personas e rostos de fidedignidade, assim como os contrastes produzidos pela realidade são matérias importantíssimas e, por conseguinte, fundamentais para o entendimento do enredo dos respectivos filmes. A nossa caverna é o próprio ser humano, que ainda não conseguiu alcançar a sua mais íntima substância, o seu âmago, a sua mais rica profundeza, o seu lado verdadeiramente distinto dos outros animais, que não sabem que estão pensando ou que sabem que são capazes de pensar – o ser humano, criatura de sentimentalidades e manifestações, em sua maioria, superficiais e dicotomias. Pode-se, a partir de tais pressupostos ligados ao filme e à filosofia, dissertar também sobre o conhecimento filosófico abarcado em Matrix, destacando as diferenças no tocante às outras formas de conhecimento e relatando como se deu a passagem do pensamento mítico-religioso para o pensamento filosófico. A filosofia é uma ciência e não é, tudo ao mesmo tempo. A filosofia cientifica o que é contemplação e reprodução, emite concepções diversificadas do mundo e das relações interpessoais, transcende o que é matéria e alcança uma forma de plenitude de olhar, de enxergar, o que a faz diferente das outras formas de conhecimento, que funcionam atreladas ao pragmatismo e ao tecnicismo. Estes, por sua vez, malbaratam e desvalorizam a subjetividade e o distanciamento do visível. O mito foi usado no início como uma forma de retratar a formação do mundo e das relações humanas, através de narrativas alegóricas e imaginativas, deixando que a ficção e a oralidade corroborassem tais tentativas de explicações. Somente quando a filosofia conseguiu se adaptar melhor às necessidades do homem é que ela tomou as suas devidas proporções. Matrix nos lega uma questão: por que a pergunta é mais importante do que a resposta no processo de filosofar? A pergunta, manifestação de busca e saciedade, é muito mais essencial que o “responder”, até porque não há apenas uma verdade, uma resposta. A resposta é um produto da subjetividade, da incerteza – a pergunta não, a pergunta é a própria certeza, talvez a única forma de certeza, mas também uma certeza falida, diagnosticada infame e cancerosa, posto incompleta -, e este não é o princípio básico que faz movimentar a filosofia. Filosofar é, antes de tudo, ater-se ao Belo, à negação das ordens naturais das coisas e um elogio ao que é de ordem imprevisível e, para conseguir um melhor entendimento condizente a este fato, nada mais inteligente que perguntar, questionar. Será que é mesmo assim?

Esse texto foi publicado na Revista Entrementes Edição de Outono de 2015

 

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