Por Elizabeth de Souza
Com a morte do grande músico Belchior, a notícia se espalhou de forma avassaladora chocando a todos. Os fãs choraram a dor da perda de um dos maiores músicos e compositores brasileiros, sem sombra de dúvida.
Os que não conheceram a força de suas composições na época que ainda estava na mídia, tiveram curiosidade em procurar. Outros ainda que não conheciam, mas sabiam de sua história musical, através da sensibilidade em buscar uma música de qualidade inigualável, também sentiram.
Um músico que retratou a sua época de forma magistral, uma linguagem universal e atemporal, pois suas composições falam coisas muito além de sua época, transcendendo o tempo e o espaço. A poesia e a música quando ultrapassa os limites do cotidiano, avança para um plano metafísico e ininteligível para muitos.
E Belchior se afastou do mundo, por escolha ou pressão – não vem ao caso, o que interessa é que ficou fora desse mundo bizarro por muito tempo. O que leva uma pessoa a largar tudo, seus bens móveis e imóveis, sua carreira, seu nome, sua arte e ficar rodando pelo mundo, sem rumo?
São muitos os “cientistas” e “filósofos” das redes sociais dando opiniões, levantando suas teorias. Uns, acham uma atitude nobre e rara do Belchior…Um utópico que não se rendeu as amarras e grilhões do capitalismo selvagem, do qual somos escravos voluntários; Outros, nos seus radicalismos sem medida (característica de rede social) atiram pedras e o chama de louco doidivanas e que provavelmente tinha um problema mental.
Saindo do lugar comum desses julgamentos humanos, devíamos nos ater a sua música e entender um pouco o que se passa no universo de um verdadeiro artista, de um verdadeiro músico e de um verdadeiro compositor, que colocou seu corpo e sua alma ao fazer a sua arte. Nenhuma arte é mecânica, não é robótica. A arte é viva e sai de dentro do artista, junto com suas vísceras. Ele sofre, ele chora, ele ri e se consola quando está dentro desse universo, onde não só brilha sua alma, mas todo o seu ser multifacetado.
E ao invés das opiniões das redes sociais melhor ouvir com ouvidos sensíveis, o que ele conta sobre ele e sobre nós mesmos. Afinal, estamos todos interligados nessa massa cinzenta, dentro e fora do nosso cérebro, dentro e fora do nosso planeta, dentro e fora de nosso ser e de todo o universo.
Belchior, como Edgar Alan Poe, o poeta louco americano perguntou ao passarinho: Black bird, Assum-preto, o que se faz?
Haven never haven never haven never haven never haven
Tudo já ficou atrás… O passado nunca mais!
Belchior, apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no bolso e no banco, sem parentes importantes e vindo do interior. Ele era de um lugar nunca esquecido e conhecia bem o seu lugar. Tinha o seu som, sua fúria e pressa de viver, pois escolheu ser. E se você perguntar por onde ele andava ultimamente, poderia dizer que se desesperava, mas que talvez esse desespero pudesse soar pra você, apenas uma moda de 1976. Estava descontente e gritava por dentro e que falar várias línguas não adiantou pra quem sonha com olhos abertos. Adiantaria se gritasse em português?
Mas usa os versos – “talvez eu morra jovem, alguma curva no caminho, algum punhal de amor traído, completará o meu destino”. Mas como sou um cara de sorte, morri na semana passada, morri mas esse ano eu não morro.
E viva o filosófico ser Belchior que veio ao mundo para mostrar que existem mais coisas do que opiniões de redes sociais. E tenho dito!
“Se você vier me perguntar por onde andei
No tempo em que você sonhava
De olhos abertos, lhe direi:
Amigo, eu me desesperava
Sei que assim falando pensas
Que esse desespero é moda em 76
Sei que assim falando pensas
Que esse desespero é moda em 76
E eu quero é que esse canto torto
Feito faca, corte a carne de vocês”. (Versos de “A Palo Seco”)
“Meu bem, talvez você possa compreender a minha solidão
O meu som, e a minha fúria e essa pressa de viver
E esse jeito de deixar sempre de lado a certeza
E arriscar tudo de novo com paixão
Andar caminho errado pela simples alegria de ser” (Versos de “Coração Selvagem”)
“Eu era alegre como um rio,
um bicho, um bando de pardais;
Como um galo, quando havia…
quando havia galos, noites e quintais”. (Versos de “Galos, Noites e Quintais”)
“Até parece que foi ontem
Minha mocidade
Com diploma de sofrer
De outra Universidade
Minha fala nordestina
Quero esquecer o francês…” (Versos de “Tudo outra vez)
“Não! Eu não sou do lugar dos esquecidos!
Não sou da nação dos condenados!
Não sou do sertão dos ofendidos!
Você sabe bem: Conheço o meu lugar!” (Versos de “Conheço o meu lugar”)
“Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais” (Versos de “Como nossos pais”)
“Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro” ( Versos de “Sujeito de Sorte”)
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