Zilá, esposa de Amâncio, era magra que nem Olívia Palito. Mas sua capacidade de resmungar, reclamar e gritar era inversa ao índice de massa corpórea.
Naquela tarde, se queixava que não havia mais carne para o jantar. A fim de evitar contratempos maiores, o marido pegou as chaves do carro e saltou fora. A questão, entretanto, era que não bastava trazer qualquer coisa. A carne não podia ser dura, amarronzada, nem vir com aponeuroses, etc.
Outro problema: preço. Onde encontrar uma peça perfeita por um valor viável a um classe média inadimplente da Zona Oeste?
Amâncio se lembrou de uma diarista (no tempo em que podiam pagar) que lhe dera o endereço de um açougue nas beiradas do Morro da Pinga, em Pirituba. Ali, o dono ajeitava bons cortes a custo módico.
Jogou a comunidade no Waze e iniciou a saga. Depois de um vira pra cá, esterça pra lá que o deixaram até mais musculoso, avistou o açougue do Nicácio. Surgiu no balcão um galalau, olho esquerdo glaucomatoso, e com proteções nas mãos que lembravam a do Luva de Pedreiro.
– O que vai, decente? – perguntou o talhador com voz gravíssima.
– O coxão mole está mole? – quis saber Amâncio.
Nicácio inquiriu em tom de perito no assunto:
– Pra fritura ou cozimento?
Amâncio disse que fariam bife de frigideira. O açougueiro soltou uma risada retumbante e completou:
– Ah, então só com o martelinho do Jason!
Abriu uma gaveta e mostrou ao freguês a ferramenta prateada de amaciar coxões moles empedernidos. Feita a compra, até com considerável custo-benefício, inclusive do artefato do Jason, retornou ao lar na Vila Leopoldina.
Deixou o saquinho sobre a pia. Não passaram dois minutos e Zilá já berrou:
– Amâncio! Isso é carne de quê, de cavalo velho?
Não houve tempo para o marido explicar que era preciso usar o martelo no amaciamento. Ela foi abrindo o verbo:
– Que tipo de homem você é, Amâncio? Dois diplomas, desempregado há oito meses, não presta nem pra entrar numa bodega e comprar meia dúzia de bifes!
E seguiu o ofendendo, de alto a baixo, com todos os adjetivos, verbos e advérbios do dicionário Houaiss. Como sempre, Amâncio preferiu ficar em sua pacatez. Até que Zilá, num ímpeto inédito, atirou-se, como uma onça, sobre ele. Ao vê-la naquele salto de felino, aparou seu pescoço com a palma da mão.
– Creeeeec! – soou o osso da goela.
Estatelada no piso cerâmico da cozinha, Zilá estrebuchava horrivelmente arroxeada.
Amâncio fez uma rápida deliberação e concluiu: não podia deixar a mulher desviver feito um vira-lata pinchado na rodovia Raposo Tavares. Num ato que considerou misericordioso, malhou o martelinho do Jason repetidas vezes na testa da patroa até que cessasse sua agonia.
Como cidadão, até então cumpridor de seus deveres, ligou no 190 e pediu para se entregar. Minutos depois, a viatura policial estacionou em frente ao sobradinho e o conduziu ao distrito. No banco da frente, o sargento comentou com o soldado:
– É como sempre te digo, Ferreira, o barato acaba saindo caro.
( Crônica publicada no Brasil 247 )
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