Carta aos escritores – #TBT
Caro amigo Leon Tolstoi, faz tempo que não o leio. Toda vez que vou a um mercado lembro de um belo conto seu no qual descrevia sobre a manipulação dos alimentos para renderem mais e para à venda. E as pessoas comendo coisas que lhe fariam mal. Fico triste por ter ido embora nesta vida, abandonado numa estação de trem no inverno Russo. Não viu sua Rússia sem os Reis que foram todos mortos. E nem a Revolução do Proletariado que mudou a cara da humanidade. O mundo hoje é outro em tecnologia, mas nas questões humanas talvez sejamos os mesmos sempre egoístas.
Eu moro aqui na América do Sul, no Brasil, um pais quente na região Sudeste no Estado de São Paulo, na cidade de São José dos Campos, uma cidade grande cheia de estruturas militares, indústrias bélicas. Aqui a cultura acontece de uma forma ou de outra com e sem apoio do poder público e da imprensa oficial. É estranho dizer que estamos numa democracia, mas quem está no comando do poder público eleito dentro das normas não se colocam na condição de cidadão, mas se acham superiores. O mesmo caso se dá com a imprensa. É que em nossa sociedade ainda impera o poder do dinheiro. Do ter. E todo mundo quer ter e não ser. Somos tolos materialistas. Temos uma cultura consumista, vivemos sem nenhuma qualidade ainda trabalhando de 8 a 12 por dia. Assim deixamos de viver. Nas grandes cidades pobres e ricos ficam presos em engarrafamentos horas e horas dentro de carros movidos a petróleo. E ali se irritam, ficam mal humorados. Pobres e ricos vivem sempre em lugares apertados. Os pobres em favelas. Sem nenhuma condição de habitação. É que não há distribuição correta da riqueza criada por pobres e ricos.
A Rússia comunista acabou há duas décadas O CAPITALISMO é a linha hegemônica, sem existir outra proposta. Até deve ter, mas estes escritos não nos chegam. Nas nossas horas de folga estamos presos a TV ou a Internet. Ninguém se encontra para debater arte, politica, religião, modos de vida alternativo. Todo mundo sempre na sua correria individual. Sejam trabalhadores, artistas, professores, empresários e políticos. E também os desempregados.Estamos cada vez mais sós. Qualquer atitude de ajuntamento sempre vira fracasso por todos nós quando em grupos queremos ser melhor que nosso próximo. A ideia de aldeia está acabando, os vizinhos não mais se ajuntam, as elites vivem em novos feudos, os condomínios fechados. Nunca conseguimos falar com o prefeito, o governador e muito menos o presidente da república. As vezes falamos com vereadores, deputados, mas os parlamentares no geral sempre estão atrelados ao poder executivo e nunca resolvem nada, só sabem fazer reunião.
Pois é, estou escrevendo porque na minha vila vai ter um encontro de escritores, um raro momento onde as pessoas se veem e estou feliz por isto. Nos outros anos sempre pus uma melancia no pescoço para chamar a atenção. Deve ser minhas carências, a vontade de ser aceito na sociedade, pois hoje todos os cidadãos são invisíveis, no geral ninguém sabe o nome de ninguém, muito menos suas vitorias e suas derrotas. Caro Tolstoi, sempre fui lá neste encontro para fazer minha média enquanto escritor. Mas sempre foi quebrado este lado. E meu lado humano que é raro floresceu. Lá é um oásis onde vestimos a roupa que queremos. Falamos com todos sem distinção de raça e cargos de poder. No ano passado minha melancia foi uma performance, desci do ônibus com dois amigos na entrada da cidade, vesti um vestido indiano e acendi uma tocha e adentrei a cidade. Foi belo! Tentei organizar um cortejo até um rio e não rolou. Mas conheci muita gente interessante. Para variar nenhum editor. Por que queremos ser os escritores da ponta se um dia como eles, também morreremos? Você Leon Tolstoi, que escreveu grandes obras foi rico e poderoso – um dia se rebelou e começou a escrever as bobagens que nós humanos fazemos. Escreveu uma bíblia anárquica. Cumpriu sua parte. Por que eu, ainda um mero aldeão quero ocupar um espaço que ainda não alcancei? Deixe os nomes já consagrados curtirem o espaço deles. A nós cabe criar movimentos nacionais que sejam importantes para os dias de hoje, refletir, criticar e apontar soluções para a sociedade do conhecimento.
Nós temos uma historia por construir. Estamos vivos e podemos criar novas revoluções, novos levantes, uma nova arte, uma nova literatura. Um jeito novo de fazer politica. Descobrir novas maneiras de gerar renda. E vamos nos preocupar com um encontro por ano, se temos o ano todo para mudar o mundo. Sim, mudar o mundo. Começando por nos mesmos. Ir além de saraus. Chega desta forma, já gasta. Já foi feito o Canto da Cultura, a Radio Aguapé, Celebração ao Renascimento da Poesia, Jornal LITTER, CD de Poesia, prestigiemos o Entrementes e a internet. Criemos soluções, o novo nos aguarda ai quem sabe daqui alguns anos um de nós ou muitos de nós estará na posição de destaque. Caríssimos, por enquanto vamos curtir enquanto aldeões, preparemos a festa. Nós que devemos vestir nossa melhor roupa ou fantasia e estejamos lá felizes a preparar as novas revoluções. Que todos sejamos felizes. Ainda escritores de aldeia, quiçá um dia escritores de um universo inteiro. Que venha o Festival da Mantiqueira se vivo estiver e o universo assim permitir mais uma vez estarei lá. Que tal um cortejo. Uma instalação. Uma performance. Um trabalho que tenha um real valor para a humanidade, assim é a vida.
Caro Leon Tolstoi, aqui encerro, nos veremos sempre no mundo dos sonhos. Onde sempre tenho muito a aprender contigo. A vida passa mas nossa passagem por ela fica marcada. Um fraterno abraço.
João Carlos Faria
Por Joka Faria
05/05/2010
Brilhante e comovente desabafo Joka. Você escolheu muito bem o seu interlocutor. Leon Tolstoi simboliza muito bem os inconformados deste tresloucado mundo.Ainda restam as utopias.
Um fraterno abraço
Gilberto