
Cinema: Poder suave versus governo Trump – Um caso de amor e ódio
O cinema é um dos ambientes de maior notoriedade do ‘poder suave’, ou soft power, do termo original em inglês. A expressão usada na teoria das relações internacionais para descrever a capacidade de influência na opinião pública também se aplica como fenômeno na produção cinematográfica. Influência essa que está em plena transformação por conta das medidas impactantes do recém-instalado mandato presidencial dos Estados Unidos da América, ditando os rumos da indústria que inspira o resto do mundo. O especialista Franthiesco Ballerini comenta como isso ocorre e o reflexo no atual contexto do cinema brasileiro.
Los Angeles e Washington sempre viveram um casamento cheio de conflitos, com breves separações, mas nunca um divórcio. Esse relacionamento é marcado por casos como o que houve entre 1942 e 1946, quando a administração Roosevelt encomendou ao Walt Disney que fizesse desenhos que aproximassem a América do Sul dos Estados Unidos, no esforço diplomático para negociações na produção de alimentos. Foi quando nasceu, por exemplo, o Zé Carioca. Outra situação foi no começo da Guerra do Vietnã, quando Hollywood era simpática à “causa americana”. Porém, quando o público se voltou contra a invasão, Hollywood, que depende majoritariamente de dinheiro das bilheterias, autorizou obras que não tiveram apoio logístico nem estratégico do governo dos EUA, como Nascido para Matar, Apocalipse Now e Nascido em 4 de Julho. O tempo segue seu curso e Hollywood volta a se aproximar de Washington, com temáticas épicas e heroicas após o 11 de setembro, quando obras como Voo United 93, A Hora Mais Escura e As Torres Gêmeas entraram em cartaz.
No entanto, algo novo está acontecendo nesta segunda administração de Donald Trump. “A presença dos donos das maiores redes sociais do mundo na posse do presidente mostra que as big techs não se intimidam por assumir um posicionamento político, ainda que oportunamente, ao lado de um presidente de extrema direita, alinhando a ideologia conservadora a seus interesses econômicos. Isso também poderá acontecer em Hollywood. Na verdade, já está acontecendo, visto que essas companhias invadiram Hollywood (Apple TV+, Amazon Prime etc.) Os estúdios tradicionais poderão aprovar obras abertamente a favor de alguns pontos defendidos por Trump, com temáticas como o controle da imigração e o fim de políticas de apoio à diversidade. Não duvido que isso aconteça”, analisa Franthiesco Ballerini. Ele avalia que, assim como Hollywood é capaz de alianças estratégicas com Washington, também deve fazer o contrário para manter sua própria relevância cultural.
Segundo Ballerini, um exemplo emblemático foi a cerimônia do Oscar de 2013, quando a então primeira-dama Michelle Obama anunciou, num telão, o vencedor da categoria de Melhor Filme: Argo (2012), dirigido por Ben Affleck, sobre o resgate de seis diplomatas norte-americanos do Irã, em 1979, durante uma das maiores crises diplomáticas entre os dois países. O filme, muito criticado por deturpar vários pontos da verdadeira história, mostra os norte-americanos enganando facilmente os iranianos, fingindo estarem produzindo um filme para escapar com o grupo diplomático.
Hoje, o cenário é de divórcio entre Los Angeles e Washington, o que significa dizer que chancelar Fernanda Torres e ‘Ainda Estou Aqui’, que fala de uma mãe que luta contra um regime autoritário de direita, está completamente alinhado à postura ideológica da Academia contra a nova ascensão de Trump à presidência. Mas é importante ressaltar que o poder político é instável, volúvel às eleições. O poder suave do cinema americano é muito mais sólido e dança conforme os ventos mais favoráveis, sem nunca sair do pedestal.
Outro segmento do trabalho de Franthiesco Ballerini sobre o poder do cinema é uma avaliação por categorias como tempo, conteúdo, contexto, beleza artística e pessoal, espaço, idioma e fama, pelos quais ele investiga a vida e a carreira de diversos artistas mundiais, mergulhando, então, numa comparação do poder cultural. Alguns exemplos são os animadores Mauricio de Sousa e Hayao Miyazaki, as cantoras Anitta e Dua Lipa, as atrizes de telenovela Adriana Esteves e Thalía, as cineastas Helena Solberg e Safi Faye e os atores Brad Pitt e Shah Rukh Khan, desvendando os mecanismos que os consagraram no século 21.
Franthiesco Ballerini é doutor em Comunicação Midiática, Processos e Práticas Socioculturais pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA). Foi repórter e crítico do Grupo Estado e colaborador das revistas Bravo! e Cult, da Rádio Eldorado, da TV Gazeta e do site Observatório da Imprensa. É autor de Diário de Bollywood (2009); Cinema brasileiro no século 21 (2012); Jornalismo cultural no século 21 (2015); Poder suave (soft power) (2017) — finalista do 60º Prêmio Jabuti na categoria Economia Criativa — e História do cinema mundial (2020), todos publicados pela Summus Editorial. Professor universitário, já ministrou cursos e palestras para alunos da Harvard University, da University of Chicago e da Freie Universität Berlin. Escreve reportagens internacionais e artigos para o Fair Observer, veículo de jornalismo independente sediado nos Estados Unidos. É colaborador do programa Metrópolis (TV Cultura).
Cristiane Del Gaudio
Assessora de imprensa
crisdelgaudio@studiographico.com.br
(11) 99578-4813
Deixe uma resposta