O 14 Bis
I
– Quem foi que encomendou a pintura, Pierre?
– O rapaz brasileiro, de bigode e chapelão, sabe aquele meio maluco? Um que usa relógio amarrado no pulso. Então, foi ele.
– Ah, lembrei, sei quem é. Tem certeza que é esse bagulho mesmo que é pra pintar? Sei não… e o texto é somente isso aqui, “14 Bis”?
– Tô te falando, é só isso. Dois minutos e a gente termina tudo. Ele pediu em tinta preta.
II
– O “4” aí do “14” tá torto. Parece que bebe, faz o “4” direito, retinho. Acordou com a mão boba?
– Mas você é chato heim, meu? Que diferença faz? Se a ideia do homem é botar essa geringonça pra voar, ele vai lá pra cima e ninguém vai reparar se o “4” tá torto ou não.
– Usa uma régua, é melhor. O bichão pode voar alto, mas quem aprova o serviço vai olhar aqui embaixo, com a traquitana desligada. Ouvi dizer que o Santos Dumont é exigente, sujeito meio sistemático.
– Quer saber? Esse negócio aqui vai voar de qualquer jeito, querendo ou não querendo. Olha como é leve, todinho de bambu e papel de seda, é só dar um pé de vento que sai voando. Queria ver se fosse pesadão, tipo um 747, entende?
III
– Esse Dumont é um sujeito esquisito mesmo.
– Por que tá dizendo isso?
– Dizem que ele vai dando nome, ou melhor, dando número, conforme as tentativas de levantar voo que ele faz. Deve ser a décima-quarta, né?
– Nada, tá na décima-quinta. Não é 14 Bis, o nome? Então, é um depois do 14.
– Não faz sentido. Por que não batizou de 15 de uma vez?
– Sei lá, pergunta pra ele. Vai ver que o “Bis” é merchandising daquele chocolate, sabe? Da Lacta.
– Imagina… se fosse merchan eles iriam colocar o logo, coisa profissional, de gente grande. Não iam chamar pintor de faixa, uns mané-quarqué, que nem nós dois, pra fazer o serviço! Presta atenção!
– De repente esse 14 era igualzinho ao outro que ele fez antes, é tal e qual e ele vai tentar de novo.
– É, aí pode ser, sim. Uma réprica, né.
– É réplica que fala.
– Cuida aí do seu serviço que eu cuido do meu. Eu termino de pintar o “14”, depois a gente deixa secar e você completa com o “Bis”. Fechou?
Esta é uma obra de ficção
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Esses coadjuvantes da história são bem engraçados…Estava sentindo falta dos seus textos inteligentes.
Abração!