Crônica: A Musa, a Fé e a Solidão.

Por Milton T. Mendonça

Amanheceu o dia e me dei conta que não dormi a noite toda. Percebi horrorizado que esta prática se transformou numa rotina. Passo as noites ouvindo Pink Floyd e pensando na vida. Parei de trabalhar nas minhas telas. Não escrevo mais contos. Estou planando numa corrente de emoções descendentes. O fundo do abismo me acena amigável, sugerindo um cantinho escuro e confortável onde poderei descansar em paz.

Pela primeira vez em dias, percebi o perigo que me ronda. E aproveitando esse momento de lucidez que só acontece de vez em quando, desliguei o CD para sair do transe melancólico, bem típico desse estilo de música ( apesar da letra dos caras ser do tipo levanta daí ô meu!); tomei um banho frio para despertar meu espírito combativo, pedindo aos deuses que ele ainda esteja vivo e saí à rua. Preciso de movimento. Quero perscrutar minha alma. Preciso encontrar um motivo pra retornar à vida.

Descobri caminhando pelas ruas apinhadas do centro da cidade, enquanto observo os rostos das pessoas absortas, que passam por mim, e ouvindo as palavras ferinas dos entes vulgares que espalham suas mágoas ao vento, o motivo de minha tristeza. Estou decepcionado. A magia acabou! Não existe mais espaço para a alma, a matéria tomou conta de tudo. Não tem mais jeito: endureceram todos os corações.

Finalmente caiu a ficha: minha musa está morta. E o que é o artista sem sua musa?

Ela morreu estrangulada pela descrença. Desceu do Olimpo para viver entre os mortais e perdeu a divindade. Humanizou-se. Materializou-se. Perdeu a fé no amor.

O que me resta agora? Sem a chama que iluminava meus dias, como encontrar o caminho? A escuridão abateu sobre mim e o abismo me acena com seu falso sorriso amigável.

“Está na hora de voltar para casa e continuar ouvindo Pink floyd” – sussurram na minha orelha esquerda enquanto caminho pela cidade barulhenta. Olhei em volta, mas só vejo semblantes vazios, desconhecidos.

O sol saiu de trás das nuvens e jogou seus raios alaranjados sobre todas as coisas, mas não me alcançou. Fiquei na penumbra. Sinto frio.

Olhei meus pés, única coisa visível naquele momento. Todo o resto estava invisível aos meus sentidos.

Alguém tocou meu ombro, levei um choque. Levantei a cabeça e me deparei com o sorriso da jornalista. Esperei que me entregasse o titulo do eleitor. Mas hoje não sou mesário e ela não é minha companheira de mesa.

“Porque não manda um texto para o Valeparaibano?” – perguntou alegre como sempre. – simpática. O toque morno de sua mão no meu ombro se espalhou esquentando todo o corpo. O sol voltou a iluminar e percebi o horizonte aberto, largo, profundo. Sorri e agradeci a sugestão. Nos despedimos. Olhei para trás esperando encontrar seus olhos e novamente sentir aquela calorescência que tinha me animado. Mas ela havia desaparecido.

Voltei para casa ainda triste, decepcionado com a humanização de minha musa. Com sua falta de fé no meu amor. Mas não me sentia mais sozinho. Esqueci que existiam os amigos!

Coloquei a tela no cavalete e voltei a pintar.

Aquele calor continua esquentando minha alma enquanto escrevo esse texto. Ele me fez ascender escapando ao abismo.

2017

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