Chuva
A “chuva de molha tolos” está para o orvalho e a cacimba como estes últimos estão para o sereno. Aqui pronunciado deliciosamente “serreno”. Quando os primeiros pingos de chuva começaram a fustigar-me as costas alguém alvitrou que não era chuva, era “serreno”. Depois as gotas tornaram-se mais grossas e passaram a chamá-las de “chuvisco”. As palavras podem ser as mesmas mas estão cheias de coisas e sensações com outra intensidade. É uma questão de percepção. Enquanto vou fazendo mentalmente acrobacias para entender por que razão um simples chuvisco me deixa encharcada até aos olhos explicam-me que, neste caso, podemos afirmar que é de chuva que se trata.
Pergunto se demora a passar. Depende, explicam-me, se for “chuva homem” passa depressa mas se for “chuva mulher”… essa demora a passar!. Rio-me com gosto e não forço o esclarecimento óbvio que no entanto acaba por me chegar. “Mulher quando fala…hehehehehehehe…”. Opto por não me melindrar com piadas que perpetuem as crenças sobre diferenças de género, nem sempre fundamentadas (ok, acabei de fazê-lo!).
Rio sem sombra de rancor nem pudor. Finalmente constato que a natureza tem razão e os homens tentam reduzi-la a palavras. É mesmo “chuva mulher”: não há meio de passar, é barulhenta, insistente e impertinente.
Como eu, por vezes, com a minha chuva de palavras fora de estação.
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