Por Ronie Von Martins
Um homem. Sempre é uma prisão dele mesmo. Acredita ser um, uno; e é tantos e vários. E não entende. E se molda ao que não é. Para ser…
Custamos a entender que tudo isso nada mais é que formatação. Somos formatados e nos condicionamos em determinado grupo, neste ou naquele lugar. Mas precisamos disso. O que é pior. O ser humano tem a necessidade terrível de fazer parte. E somos trabalhados desde pequenos a nos posicionarmos para este ou aquele lado. Todos os discursos que nos constituem são produtos de condições circunstanciais. Família, escola, amigos, região, partido político, mídia… somos uma constituição de vontades outras. Discursos outros. E isso tudo é tão bem amalgamado em nossa carne e espírito, que acreditamos na singularidade de nossas vozes, de nossa forma de pensar. Quando não passamos de meros ecos dentre os discursos.
Antonin Artaud em sua sábia loucura falava em “explodir” esse corpo organizado previamente afim de conseguirmos ver e sentir quem realmente somos. O que somos?
Ele estava certo. Gostaria de me “descascar” infinitamente, como uma cebola e ver no que dava. Como um texto já lido por tantas vezes cheio de jargões que é definitivamente apagado. Uma borracha apagando palavra por palavra daquilo que nos “disseram” que éramos.
Afogar este “eu” cartesiano num balde de água fria e fazer com que liberte os tantos outros “eus” que habitam nossa existência. Quantos somos?
Protegemo-nos tanto em paredes que já não distinguimos nossa carne. Somos sempre paredes. E nos escondemos das possibilidades outras e várias que surgem.
Ao abrirmos a boca. A tecla play de nosso gravador é acionada, e nos entediamos a ouvir as mesmas coisas que sempre dizemos. Achando que aquela “palavra” é singular e única. Minha palavra. E o pior. Acreditamos sem questionar. Sem enfrentar. É assim. Ponto. Aceitação.
Docilidade. Uma das palavras de Foucault. Docilizaram nossa alma, nosso corpo, e acreditamos que isso era bom. Inventaram o pecado e nos disseram que éramos todos culpados e que deveríamos sofrer. E ficamos felizes em sofrer.
Nossa cara é a mesma cara. A mesma cara de todos. Todos com a mesma cara, o mesmo rosto. Nos olhamos nos outros sem nos vermos… Nem ao outro. Máscaras.
Eterno carnaval. Pior. Pois não há a espontaneidade nem a embriagues que de certa forma libera o corpo e a alma. E nos abraçamos em nossos muros, em nossas paredes. Um eterno afastar-se. Um eterno proteger-se. Todos escondidos na pele, na carne, no mesmo rosto que não vê.
Como os detritos dos esgotos, flutuamos (a maioria) nas águas lamacentas do senso comum, da doxa. E acreditamos piamente estarmos certos. É assim. E assim será. Será?
Deleuze já falava em pensar o pensamento, questionar o que se pensa, a forma que se pensa… E duvidar. Não duvidar para negar. Mas para “talvez” acreditar? Não falo em niilismo, negação… falo simplesmente em pensar o que se pensa e porque se pensa dessa forma e não da outra. O que nos faz acreditar nisso e não naquilo.
E entender que o pensar é livre, não deve se agrilhoar à religião, política, cultura ou grupos, pensar está além da região ou dos espaços que resumem e determinam o pensamento. O pensamento não é escravo de doutrinas ou moral alguma. E não devemos (creio eu) usa-lo para confirmar conceitos pré-definidos e ideologias estabelecidas, pois dessa forma o usamos “como escravo” para defender e “justificar” o que deve ser questionado. Se penso para receber uma resposta que me agrada, não estou pensando, estou meramente elencando argumentos para comprovar a “opinião”. Minha opinião. E a opinião é fruto de vozes ambíguas, sequestradas por sentimentos de raça, religião, território, poder, vontade e prazer.
O pensamento não é “opinião”. Definitivamente. A opinião é meramente a máscara, decorada com os vários textos e discursos que nos compõem. Eco.
Esse texto foi publicado na Revista Entrementes Edição de Outono de 2016:
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