Por muito tempo temos sido reféns dessa pressa voraz que dizima nossos olhares e embaça a beleza que fenece gradativamente. Não se sabe mais apreciar. Não se enxerga mais o teor das vivências, o primordial que se desvencilha pelos cantos. E quando não há mais espaço para admirar, tampouco nos segurar nessa acelerada vivência, uma parada brusca sempre nos leva à queda, trazendo consigo e ao chão, tudo que tem raiz frágil e não tem equilíbrio para se manter em pé. Esses trancos sempre expõem o que se esconde pelas cortinas. As quedas acentuam as falhas, as más escolhas.
Sentimentos vazios; amizades aparentes; interesses fúteis; aspirações medíocres; ambições desmedidas e mesquinhas; materialismos exacerbados; atitudes intempestivas; ações incontidas; mágoas desnecessárias; e um tanto de coisas irrisórias se desmontam. A vida nos coloca frente a frente com o que acumulamos de desagradável em nossos esconderijos. Não com o intuito de punir, mas de instruir, para refletirmos quem somos e nos firmarmos ao que realmente importa: na essência, na beleza do humano, do viver. Esses eventos sempre surgem para varrermos o pó amontoado. Dissipam-se as nuvens e conseguimos distinguir tesouros.
Não à toa, quando à beira da morte, ficamos tão passíveis a perdoar e afugentar dores e ressentimentos, a olhar com mais transparência e mansidão. Porque essa é uma transição definitiva e que nos faz vislumbrar o amor, porque tudo se resume à permanência do que é bom e está cristalizado. Pedaços quebradiços não se tornam parte de nós. Não levamos com a gente. Desacelerar é como abrir uma janela fechada e nos depararmos com uma paisagem nunca vista. Parece que revitalizamos o olhar e nos deparamos novamente com o caminho da evolução.
E diante dessa aura iminente de morte, tem sido angustiante perceber que já perdemos tempo demais com bobagens. A vida freou e nos colocou diante do nosso reflexo. É um sinal para nos erguermos e abandonar as tranqueiras que caíram no chão, dar vazão ao que mais importa dentro de nós. Tem sido uma ocasião importante para apreciarmos de verdade, sentimentos e vínculos; prioridades e escolhas; generosidade e gratidão; a beleza da vida. Tem sido um instante oportuno para trocar as vestes.
Parece que estávamos absortos e perdidos, vendo a paisagem lá fora mover-se como um borrão. E embora tenhamos estacionado num terreno imprevisível e angustiante, esta pode reservar importantes lições. Quando a gente corre, mal enxergamos um passo à frente. E isso pode causar atropelamentos terríveis. A vida ensina que é preciso desacelerar às vezes, para observar as nuances do caminho e efetuarmos desvios efetivos, e necessários, dos obstáculos que naturalmente surgem. O aprendizado vem da observação. E hoje é um bom momento para assimilarmos os valores que realmente nos interessam.
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