Por Reinaldo R. Rosa LAC-INPE
Se o Universo não existe desde sempre, a ciência se defronta com a necessidade de uma explicação para a sua existência.
Arno Penzias, Nobel de Física, 1978.
No mundo atual, dominado pelo pensamento científico e tecnológico, a cosmologia física tornou-se um sinônimo imediato para cosmologia e, por isso, a mesma aparece definida nos principais léxicos como sendo a ciência que estuda a origem, a evolução e a estrutura do cosmos em seu conjunto.
A estrutura do cosmos (Universo) é, na frequência de micro-ondas, uniformemente brilhante, e seu espectro de radiação apresenta uma temperatura de 2,725 oK, medida, pela primeira vez, em 1965, por Arno Penzias e Robert Wilson, radio-astrônomos americanos dos laboratórios Bell. Físicos da Universidade de Princeton, alguns anos antes desta medida, haviam predito a existência desta radiação de fundo para a hipótese de um Universo que teve seu início abrupto a partir de um estado quente, denso e instável, denominado singularidade do Big Bang. O Big Bang, também conhecido como a Teoria da Grande Explosão, propõe que o Universo se expande, a cerca de 13,7 bilhões de anos, a partir de uma singularidade primordial altamente densa e quente que tornou-se muito maior rapidamente, inflacionando a estrutura do espaço e do tempo.
Durante o processo de expansão do Universo, de acordo com as equações de Einstein-Friedmann, a densidade primordial de matéria e energia, bem como sua temperatura, decaem continuamente. A teoria original, conhecida como “hipótese do átomo primordial”, foi proposta, em 1927, pelo astrônomo belga Georges Lemaître. A hipótese de Lamaitre tomou como base os estudos observacionais desenvolvidos, em 1912, pelo astrônomo americano Vesto Slipher e foi mais tarde, entre 1945 e 1950, aprimorada pelos físicos
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1 Este texto inclui parte do Prefácio do Livro “A Perspectiva Cosmológica” escrito pelo mesmo autor, a ser lançado editorialmente em novembro de 2014. ©R.R.Rosa
2 Dic. Enc. Ilustrado Larousse, L.Brasil, 2007.
George Gamow e Sir Fred Hoyle. Sabe-se hoje que o Universo expande-se de forma acelerada impulsionado por uma energia anti-gravitacional, ainda não completamente descrita pela física, conhecida como “energia escura”.
Qual é a influência deste conhecimento científico básico, confirmado pela Cosmologia contemporânea, sobre o pensamento de indivíduos e de suas sociedades emergentes? Trata-se de uma questão abrangente que apresenta os mais diversos desdobramentos, a começar pelo estudo crítico de paradigmas fundamentais da física moderna. Mais especificamente, sobre as leituras e significados das teorias físicas subjacentes que sustentam, por exemplo, a veracidade e a consistência fenomenológica do modelo científico, em vigor, que descreve e representa a origem e a evolução do Universo.
Evidentemente, são desafios cognitivos que, em seu conjunto, atinge um horizonte nas proporções do próprio Cosmos, e que, por isso, se apresenta como um sistema de estudos que inclui quase todas as fronteiras do conhecimento.
A Cosmologia, quando interpretada como a ciência exata que trata sobre o Universo físico observado em grandes escalas, congrega, primordialmente, conhecimentos e metodologias das áreas mais sofisticadas da matemática, da física, da química e da astronomia. Além dessas áreas das ciências exatas, é inevitável considerar uma reflexão transdisciplinar, um exercício quase epistêmico, quase metafísico, a respeito do impacto da sua fenomenologia sobre o nosso sistema de conhecimento, que, como sabemos, ultrapassa as fronteiras bem demarcadas da cultura científica. Portanto, a cosmologia contemporânea toma como desafio um debate inovador, amplo e contemplativo. Ao mesmo tempo, invoca um pensamento mais crítico, mais específico e abrangente, sobre as circunstâncias planetárias em que vivemos, que deve ser capaz de mudá-las e melhorá-las.
A conhecimento cosmológico contemporâneo apresenta, pois, um ingrediente novo, logicamente possível e empolgante: buscar compreender a origem e a evolução do nosso universo como um todo. Uma jornada que parece estar apenas começando, mas que evolui rapidamente, pois, agora, estamos munidos dos instrumentos mais valiosos que o saber humano já conseguiu projetar e construir. Para citar os mais importantes: super-redes de antenas inteligentes, telescópios espaciais com ótica adaptativa, e gigantescos aceleradores de partículas capazes de produzir valores de energia da ordem daquela associada à grande explosão, a qual deu origem ao Universo que habitamos. Uma quantidade descomunal de energia contida em um ainda misterioso, minúsculo e super denso universo que, supostamente, deveria existir, imediatamente antes do, quase inefável, Big Bang cosmológico. A semente primordial da qual surgiu o Universo.
Com o desafio de compreender, de forma detalhada, a origem e evolução do Universo a partir de observações e teorias sofisticadas, a Cosmologia moderna tornou-se, nas últimas três décadas, umas das mais intrigantes e perturbadoras das ciências. Seu fascínio tem conquistado mentes brilhantes e espíritos empreendedores. Seus projetos afins, tanto em astronomia como em física, tem motivado o investimento de bilhões de euros, a publicação de milhares de artigos e livros, e o envolvimento de muitas centenas de pesquisadores e estudantes, de graduação e pós-graduação, das principais universidades e institutos de pesquisa do mundo. Trata-se portanto de uma rede de pesquisa científica hiperativa, em franca evidência e contínua emergência, que em um período recente de seis anos foi meritória, em 2006 e 2011, da premiação mais importante em sua categoria: o Nobel de Física.
Portanto, dentro de um contexto acadêmico, educacional e sociológico abrangente, as manifestações, influências e ramificações do conhecimento cosmológico são evidentes, assim como é evidente a sua amálgama multi e interdisciplinar, que o torna tão fascinante, cativante e emergente, por isso, um novo programa científico, cujo desafio mais imediato é reformulá-lo dentro de um contexto transdisciplinar. Tanto que a Cosmologia contemporânea tem apontado, por exemplo, na direção de uma nova física, que apresenta-se repleta de desafios teóricos e experimentais, sem precedentes na história da ciência e da tecnologia.
Consequentemente, conceitos cada vez mais arrojados da matemática avançada, instigam e conduzem os cientistas a elaborar projetos experimentais cada vez mais arrojados e complexos, ainda de difícil execução. Alguns, pragmaticamente inviáveis, envolvendo, por exemplo, a detecção indireta de dimensões extras do espaçotempo, radiação e partículas exóticas para explicar matéria e energias “escuras”, entre outras suposições; induzindo, por isso, modificações significativas nas complexas teorias que tentam explicar a natureza e a energia do espaço-tempo. Essencialmente, um processo de conhecimento que transcende o panorama da física ao construir discursos, raciocínios e hipóteses que, na maioria das vezes, alcançam inexoravelmente níveis de conhecimento onde situam-se reflexões de caráter também metafísico, tornando o processo, a meu ver, ainda mais fascinante. Desconfio, portanto, que o fascínio da Cosmologia reside, principalmente, na sua propriedade simbólica. A sua práxis metodológica nos leva, quase espontaneamente, à formulação de questões transcendentes. Perguntas que, quando devidamente respondidas, revelam informações que sustentam, e vão muito além, dos mistérios sobre a origem do nosso sistema solar, do nosso planeta, da nossa espécie e da própria origem da vida. Ou seja, de certo modo, está centrado na questão sobre a origem e o destino de tudo. No mistério, pois, da existência do mundo.
Se o planeta onde surgimos e habitamos existe como um minúsculo componente do Cosmos em expansão, por isso aparentemente finito e ilimitado, é mister considerarmos a possibilidade de transcendência. Transcender os limites do nosso habitat planetário, do nosso sistema solar, enfim da nossa galáxia. Portanto, é evidente, e não poderia deixar de ser, que a Cosmologia imponha também uma perspectiva de caráter cósmico. Como produto de uma viagem cosmológica, uma viagem cósmica. Com ela, e através dela, estamos transcendendo limites antes intransponíveis, partindo para o Cosmos como pensadores fascinados e também, extraordinariamente, como autênticos cosmonautas. A conquista do Cosmos está, como nunca esteve antes, disponível e tecnologicamente ativa na história da humanidade.
Mais do que uma mente a habitar o Universo, somos não só conscientes da existência de galáxias e do seu conteúdo, mas também conscientes que poderemos daqui partir, na “pele” de um verdadeiro cosmonauta, em busca de outros planetas, de outras estrelas. Quem sabe, até, de outras galáxias.
E, nesse contexto, esboça-se o principal desafio Cosmológico: elaborar e apresentar um conteúdo cognitivo plausível e organizado, proveniente da Cosmologia moderna e contemporânea; e discutir, dentro de um escopo transdisciplinar, o seu impacto sobre a visão de mundo desta e das futuras gerações. Pois, a Cosmologia, na medida em que exige reflexões cada vez mais elaboradas e sofisticadas, estabelece uma nova perspectiva à base de conhecimento da civilização planetária. Além disso, requer de seus sujeitos e objetos, respostas lógicas e atualizadas sobre a origem, a evolução e o destino da imensidão cósmica que nos insere. Indubitavelmente, questões implícitas, de caráter existencial, sobre a qual pensamos de maneira cada vez mais consciente quando consideramos, em nossas reflexões, a realidade desta complexa estrutura que chamamos Cosmos.
Se queremos entendê-lo de forma lúcida e sincera, não ideológica e além do senso comum, devemos, pois, fundamentalmente, partir daquela compreensão (sobre a natureza do Cosmos) que é revelada através do saber, e do rigor, proporcionados pelas abordagens científicas – nos seus planos, complementares, de caráter teórico, experimental e observacional. E, consequentemente, entender e projetar esta compreensão, quando necessário e inevitável, além dos limites impostos pelas ciências exatas.
Ou seja, a partir da análise e da expectativa de um estudioso da Cosmologia, é, hoje, interessante formular a seguinte questão: o que se espera despertar em um espírito cujos olhos estão a contemplar planetas, estrelas e galáxias, de uma maneira jamais sonhada, humanamente inédita, maravilhosamente detalhada e consciente? Maior lucidez? Alguma inspiração especial? Uma percepção capaz de inaugurar uma nova visão, uma nova perspectiva contemplativa e sistêmica, um novo olhar sobre o Universo em sua
totalidade? Um novo sentimento epistemológico fundamental? Um novo comportamento civilizatório? Uma nova psicologia?
Percebe-se assim uma possibilidade emergente. Um complemento essencial à realidade efetiva do mundo, agora, já disponível para ser incorporada ao nosso pensamento. Scientiae Lucidum? Um novo iluminismo?
Sem dúvida, novas luzes que são acesas iluminando, assim, no sentido prático da lucidez, todos os percursos que nos levam a um novo romance, a um novo deslumbramento, inerentes e essenciais ao processo de construção de novos saberes. Com a Cosmologia contemporânea, o espírito científico está retomando a sua vibração natural. E por isso está cada vez mais aguçado.
S.J.C., 23/4/2014. R.R.Rosa
Essa matéria do Cientista Reinaldo Rosa saiu na Revista Entrementes 0
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