Domingos

No banco da igreja, eu e meu irmão menor, dois bundinhas moles sentindo doer os ossos na dureza da madeira. Banco doado pela família x. Banco doado pela família y. Os bancos eram pagos por famílias tradicionais da cidade, e a oferta ficava ad aeternum encravada numa plaquinha de bronze. Eu e meu irmão competíamos para ver quem balançava as pernas mais rápido, os pés no ar, tão longe do chão. Os dois de meias três-quartos, camisas e calças iguais, o par de vasos em voga dos anos 70.

Eu atento às leituras, ao Evangelho e à homilia, ainda que entendesse pouco mais que nada. Uma caixa acústica em cada coluna da igreja, eu olhava para aquilo falando coisas, rezas e histórias e pensava que tudo se passava ali dentro, todas as tramas, dramas e parábolas bíblicas. Era certo que dentro daquela caixa de madeira acontecia a divina epopeia narrada pela fala do padre e dos ministros da Eucaristia. E imaginava o formidável elenco de personagens da Sagrada Escritura, do tamanho de bonequinhos de forte apache, vivendo de fato suas venturas e desventuras dentro da caixa acústica.

E então o padre falava em pregar a palavra. A imagem que meu entendimento fazia daquilo não deixava dúvidas: um amontoado de meninos em vestes brancas, martelos e pregos nas mãos, pregando cartazes nas paredes com a palavra “Palavra” em letras garrafais.

As cestinhas de Ofertório, estranhamente, eram passadas por gente influente e de dinheiro na cidade. Será que eles estão passando necessidade? Por que ficam mendigando trocados pelos bancos? Era contraditório. Era inexplicável.

Na hora da comunhão, a hóstia de farinha e água transubstanciada no corpo e no sangue do Salvador. Eu via ali, em câmera lenta, migalhas ínfimas caindo no chão de mármore do altar, ao partir do corpo de Cristo pelas mãos do padre. Para mim era certo que cada uma delas era um Cristo por si só e antevia o Monsenhor, superior do vigário, observando na sacristia, ao microscópio, os farelinhos na pátena, a averiguar se traziam o Salvador Ressuscitado.

Esta é uma obra de ficção

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