“… creio que nele a humanidade é uma coisa tão elevada, tão rigorosa que ultrapassa os termos comuns da humanidade.”
( Pier Paolo Pasolini)
Eleições 2018: uma questão de humanidade
Beth Brait Alvim
Lembro de Pasolini nestes tempos surreais. Sem medo, aproximo nossa atual utopia Haddad e Manu aos enunciados do cineasta referentes ao Cristo.
Sinto saudade de Pasolini. O seu Evangelho segundo São Mateus, de 1964, humanizou Jesus Cristo. (Lembro que corríamos para o Belas Artes matando aula de Didática da FEUSP, em plena ditadura, à tarde, para degustar o estranhamento que nos causavam estes cineastas, Pasolini, Buñuel… Nossa formação foi privilegiada por eles, e sobretudo pelas formulações e pela resistência frente às atrocidades da ditadura militar, da censura, da tortura.)
Hoje a atrocidade institucionalizou-se, com a gravidade da generalização da ignorância, que se reveste de truculência e do abuso criminoso contra os direitos humanos. Ora, juízes e candidatos fascistas tornados redentores? Com tanta evolução nas últimas décadas, em plena maioridade do século XXI, testemunharmos tamanho absurdo?
Crimes incontáveis ao lado de crimes fabricados, extermínio dos negros, higienização dos centros urbanos, censura da arte, imprensa massiva criminosa… Tudo para favorecer e tornar perenes os mesmos que nos usurpam e expoliam desde nossa gênese.
Estamos na escuridão, com sérias e incomensuráveis faltas: não temos mais um Pasolini, um Buñuel, um Glauber, um Freire, um Boal, um Dom Helder… Então não temos nada?
Temos a arte e o teatro que levantam questões, expõem feridas e desejos e promovem enfrentamentos vitais.
Temos organizações jovens altamente engajadas na contra mão dessa escuridão.
Temos nossa indignação e nossa sede, ainda, em contar outra história, em virar essa mesa.
Temos vergonha.
Temos clareza absurda e firme sobre o estado de exceção e sobre a falência de nossas instituições. Temos certeza de que estamos vivendo escancaradamente sob a opressão e manipulação do mais descarado fascismo.
Sinto falta (mais que saudade) da Zuzu, do Guevara, do Vandré. Tenho saudade de lutar com força e delírio, das noites em claro, dos poemas mimeógrafos.
Apesar da imensa diversidade cultural e da predominância do processo secular de submeter o Brasil à mais descarada opressão pois que calcada na destituição de reflexão crítica, defendo que lideranças humanistas, à esquerda, portanto, tenham o que Pasolini atribuiu ao Cristo, atitude perseguida em seu Evangelho Segundo São Mateus, e assim revirem e propulsionem outras histórias em nossa América:
“Aquilo que me impressionou foi a implacabilidade, o rigor absoluto, a ausência de qualquer espécie de concessões, o estar sempre presente em si próprio duma maneira obsessiva, obcecante, com um rigor perfeitamente louco, que a figura de Cristo possui no Evangelho segundo São Mateus. Ou seja, a chave deste filme é a frase de Cristo: ‘Não vim para trazer a paz, mas a espada…’” (in Pasolini, Ciclo anos 60, Cinemateca Portuguesa, 1985).
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