O Entrementes bateu um papo com o ator, diretor e produtor Luiz Fernando Almeida, sobre seu monólogo “Gotas de Codeína”, que acaba de completar 5 anos em cartaz. Aliás, o Entrementes já falou um pouco do espetáculo, quando a peça veio de Santos e estava para estrear na capital paulista, em novembro de 2017. Desta vez Luiz Fernando nos concedeu uma entrevista, o que permitiu que nos aprofundássemos muito mais no mundo das Gotas de Codeína.
1. Em Santos e no começo em São Paulo o espetáculo tinha a direção de Paula D’Albuquerque, mas posteriormente você assumiu também a direção, além de atuar… acumular funções tem algum impacto na realização de um espetáculo, ou não tem tanto impacto assim?
L.F. Sim dá muito trabalho estar em cena e dirigir.
É um processo complicado mas entendi que eu precisava de coragem pra seguir adiante com este trabalho que já não é mais aquele que foi dirigido pela Paula ha cinco anos atrás.
Gotas de Codeína é um “espetáculo performativo”, um trabalho vivo em constante experimentação, que precisa ser adaptado a cada espaço, repensado a todo tempo. isso exige um acompanhamento da direção, que nem sempre é possível. Por este motivo eu resolvi assumir esta função, para manter o espetáculo em atividade.
2. O tema do monólogo é a sexualidade e suicídio… assuntos fortes e mais do que relevantes, ainda mais nos dias de hoje. Qual a importância de falar sobre esses tópicos para você?
L.F. Na última década minha pesquisa em teatro esteve muito focada em temas relacionados à sexualidade. Gotas de Codeína , nasceu através da minha percepção para o aumento de número de suicídios na população LGBTQIA+ e porque me relacionei com alguém que sentia este desejo e despertou minha vontade de estudar o tema com maior profundidade resultando neste trabalho.
Hoje falamos abertamente sobre sexualidade não só nas artes mas em nosso cotidiano.
Suicídio ainda é um tema tabu em nosso país. As famílias sentem vergonha e na maioria das vezes, preferem não falar sobre o assunto.
A imprensa, não sabe como tocar no assunto e muitas vezes, em busca do clique, da notícia, faz umas besteiras.
Como recentemente, a publicação da carta de despedida do ator Flávio Migliacio. Uma carta que não foi endereçada às redações, uma carta de foro íntimo, devassada e gatilhando muitas pessoas que estão nessa condição.
Foi um dos atos mais irresponsáveis presenciei nestes últimos tempos sob a justificativa de ser algo de interesse público?
Onde estava o interesse público quando o ator profundamente deprimido, resolveu se matar? Onde está o interesse público quando milhares de pessoas dão cabo da própria vida e viram estatísticas, quando viram porque até essas informações não são precisas quando o assunto é suicídio. Só no dia da publicação desta carta eu recebi mensagem de duas pessoas nas minhas redes sociais, que convivem com esse desejo suicida e ficaram gatilhadas com a divulgação. Imagina o estrago que uma notícia dessas pode fazer?
Tem que noticiar, tem que falar, fazer debate e trazer o debate para perto da população para que as pessoas possam ter um olhar mais apurado para o outro que muitas vezes, não consegue pedir ajuda mas dá sinais de comportamento suicida, mas é preciso ser responsável e compreender um pouco melhor o tema
A comunicação correta pode ajudar a salvar vidas e evitar o sofrimento de muitas famílias, E nem precisa ser muito inteligente pra saber que NÃO SE DIVULGA CARTA DE SUICÍDIO sobretudo em meio a uma pandemia onde muitas pessoas sentem este desejo de tirar a própria vida. Qualquer psicólogo, psiquiatra pode atestar que isso não se faz.
Gotas de Codeína foi montado para que eu pudesse dialogar, aprender, compreender ,junto com o público, ao invés de condenar, como fazia antes deste trabalho. A arte continua sendo, ao meu ver, a melhor forma de sensibilizar pessoas para temas como este. E eu tenho aprendido muito, ouvido relatos, exercitado minha empatia a cada temporada.
3. Gotas de Codeína ocorre em apartamentos e espaços alternativos, nunca em teatros propriamente ditos. Fale um pouco sobre essa peculiaridade para nós.
L.F. Durante os ensaios para a estreia, que ocorriam no meu apartamento, percebemos que o trabalho ganharia muito mais força se realizado dentro de apartamentos ou espaços não convencionais. Estabelecer uma proximidade com o espectador, trazer essa sensação de intimidade ao adentrar um apartamento e questionar o lugar do espectador neste trabalho que pode interferir direta ou indiretamente em cada apresentação e como eu me relaciono com isso, como posso me apropriar.
4. Ser artista fora do mainstream neste país, nesses tempos sombrios, é ter que matar não um leão, mas toda uma savana por dia, na minha opinião. O que achas desta minha colocação?
L.F. Infelizmente é uma verdade mas ninguém disse que seria fácil. Não basta ter talento, sem vocação você desiste rapidamente. Para além do mainstream nesse ramo as pessoas acabam trabalhando por afinidades, existem as panelas, são muitos aspectos que você precisa aprender a lidar para não desanimar. Mas se for vital você permanecerá nesse caminho por mais que tente fugir.
5. “Live não é Teatro”… o espaço é seu para se aprofundar sobre esta colocação que citaste anteriormente para nós.
L.F. Com a pandemia a classe artística recorreu a internet para se manter ativa, lúcida e em contato com o público. Eu vi quase nada porque eu acho muito ruim ver teatro filmado, ao meu ver, fica sem vida. a câmera estática, meu olhar preso a tela, sem poder passear com liberdade pelo espaço cênico, quase sempre inexistente é substituído pelo plano americano.
Eu não sou contra a utilização da tecnologia nas artes, ao contrario, super a favor e utilizo sempre que cabe mas é importante lembrar que, teatro acontece ao vivo, exige presença física. Teatro filmado é documento.
A classe artística tem falado e refletido muito sobre este tema nas últimas semanas e acho saudável porque o setor cultural foi extremamente afetado com a pandemia e estamos nesse momento de pensar estratégias efetivas para este retorno.
Como será após a pandemia? Como vamos nos relacionar com o público? Ainda há poucos estudos neste sentido aqui no Brasil.
A questão é que a Live serve como uma alternativa mas fica longe da experiência completa. Teatro só existe com tempo e espaço compartilhado. Poderia citar aqui vários motivos para justificar o porque o ambiente virtual não substitui a experiência ao vivo mas não é necessário.
Acho importante pensarmos a naturalização do virtual quando se trata de teatro precisamos prestar atenção nos desdobramentos disso , para não alimentarmos algo que pode se virar contra nós lá na frente.
6) Alguma consideração final? Agradecemos muito ter doado um pouco de seu tempo para falar conosco!
L.F. Sigam o instagram do Gotas de Codeina que e o @gotascodeinateatro e no facebook a fanpage e www.facebook.com/gotasdecodeinateatro
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Luiz Fernando Almeida
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Bem, este foi nosso aprazível bate-papo com Luiz Fernando Almeida, não deixe de conferir seu espetáculo quando tiver oportunidade, pois é sem dúvida alguma enriquecedor!
Conectando ideias, conectando o Teatro até você!
“Sono poeta delle tenebre e della malinconia; ma non piango lacrime, piango poesia!” – DALTO FIDENCIO
“I became insane, with long intervals of horrible sanity” – EDGAR ALLAN POE
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